O que vocês entendem pela palavra “compartilhar”? Posso partilhar com vocês uns poucos francos, uns poucos objetos que possuo — camisas, calças, um quarto excedente. Posso compartilhar, verbalmente, uma certa experiência, contar-lhes os meus sofrimentos, as tribulações pelas quais passei, os belos espetáculos que presenciei. Assim, onde acaba e onde começa o compartilhar? Amamos nossa mulher, nosso marido, nossos filhos, nossa família, nosso próximo — oh, não, não amamos nosso próximo. Ainda que gostemos de dizer que amamos o nosso próximo, e os sacerdotes apregoem em altos brados, todo santo dia, o amor ao próximo, tudo são palavras ocas, porque estamos em competição com o nosso próximo, a destruí-lo economicamente, a mata-lo na guerra. Digo que amo minha família. Mas compartilho com ela alguma coisa a não ser certos bens e objetos? Entendem? Posso partilhar com outrem meu sofrimento, minha aflição? Poderei relatá-los, e o outro poderá tocar-me no ombro, tomar-me da mão e dizer: “Lamento, meu caro, que você esteja passando por tamanhas tribulações” — mas, tenho alguma possibilidade de dividir com outrem as minhas agonias e ansiedades?
Já compartilharam com outra pessoa alguma coisa? Compreendem? Quando é que realmente comungamos com outrem — não financeira ou verbalmente, nem por meio de ideias ou troca de ideias, de argumentos — quando é que estamos realmente abertos para outrem, não verbalmente ou pela mera participação em certas coisas, porém realmente abertos? Ora, por certo só podemos participar de alguma coisa com outrem, comungar com outrem, quando existe amor. Mas — um momento! Essa palavra — “amor” — tem tantos significados, para tantas pessoas diferentes! Não desejo examinar, agora, a fundo, este assunto por demais complexo. Vejam, não podemos estar participando em alguma coisa realmente — isto é, sem ser verbalmente, nem dando ou recebendo coisas — a não ser que, a respeito delas, nos achemos, de parte a parte, no mesmo grau de intensidade, no mesmo nível e ao mesmo tempo. De outro modo, não existe comunhão, quer dizer, nada temos para compartilhar, a não ser coisas, palavras, explicações, conhecimentos ou experiências insensatas. Isso não é compartilhar.
É possível tal comunhão entre duas pessoas? Podemos tê-la, vocês e eu? Vocês não me conhecem, e eu não os conheço. Vocês podem conhecer sua esposa ou marido, mas duvido disso. Conhecer outrem implica muita coisa. Podemos ambos viver algumas horas ou mesmo um só minuto, num estado de alta intensidade e pressão — na mesma profundidade e a um só tempo? Só então há comunhão, co-participação. Do contrário, o que há é mera troca, transação mercantil, ou mera sentimentalidade ou emocionalismo, inteiramente despido de significação. A comunhão não exige emocionalismo nem sentimentalismo, porém, um estado de espírito em que as duas partes, nós estejamos sérios, intensos, vivos. Então, já não existe a questão de compartilhar alguma coisa a outrem. Uma flor não “compartilha” comigo nem com vocês a sua beleza e o seu perfume. Ela está lá — para todos a verem e cheirarem.
Krishnamurti – O descobrimento do amor