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quarta-feira, 31 de julho de 2013

É possível explorar além da estreita janela do pensamento?

Os seres humanos, por todo o mundo, têm feito do intelecto um dos fatores de maior importância na nossa vida diária. Observamos que os antigos hindus, os egípcios  e os gregos, todos eles consideravam o intelecto como sendo a função mais importante na vida. Mesmo os budistas deram importância a ele. Em cada universidade, faculdade e escola pelo mundo todo, seja em um regime totalitário ou nas chamadas democracias, o intelecto tem um papel dominante. Queremos dizer por intelecto a capacidade de entender, de discernir, de escolher, de pesar, ponderar, e toda a tecnologia da ciência moderna.  A essência do intelecto é todo o movimento do pensamento, não é? O pensamento domina o mundo tanto na vida exterior como interior. O pensamento também criou o mundo, todos os rituais, os dogmas, as crenças. O pensamento também criou as catedrais, os templos, as mesquitas com sua maravilhosa arquitetura e santuários locais. O pensamento tem sido responsável por uma infindável tecnologia em expansão, as guerras e os materiais bélicos, a divisão dos povos em nações, em classes e raças. O pensamento tem sido e provavelmente ainda é o instigador de tortura em nome de Deus, da paz, da ordem. Ele também tem sido responsável pela revolução, pelos terroristas, pelo princípio supremo e os ideais de valores absolutos. Vivemos pelo pensamento. Nossas ações são baseadas no pensamento, nossos relacionamentos também são fundados no pensamento, assim o intelecto tem sido adorado em todos os tempos.

Mas o pensamento não criou a natureza — o firmamento com suas estrelas em expansão, a terra com toda a sua beleza, com seus vastos mares e campos verdes. O pensamento não criou a árvore, mas ele a tem usado para construir a casa, para fazer a cadeira. O pensamento usa e destrói.

O pensamento não pode criar o amor, a afeição e a qualidade de beleza. Ele tece uma rede de ilusões e realidades. Quando vivemos unicamente pelo pensamento, com todas as suas complexidades e sutilezas, com seus propósitos e direções , perdemos a grande profundidade da vida, pois o pensamento é superficial. Embora ele tenha a pretensão de mergulhar profundamente, o próprio instrumento é incapaz de penetrar além de suas limitações próprias. Ele pode projetar o futuro, mas esse futuro nasce das raízes do passado. As coisas que o pensamento criou são reais, existem de fato — como a mesa, como a imagem que você adora —, mas a imagem, o símbolo que você adora são formados pelo pensamento, incluindo todas as muitas ilusões — românticas, idealistas, humanitárias. Os seres humanos aceitam e vivem com as coisas do pensamento — dinheiro, posição, status e a luxúria de uma liberdade que o dinheiro traz. Isso é todo o movimento do pensamento e do intelecto — e através dessa janela estreita de nossa vida olhamos para o mundo.

Existe algum outro movimento que não seja do intelecto e do pensamento? Essa tem sido a investigação de muitas religiões e esforços científicos e filosóficos. Quando usamos a palavra religião, não estamos nos referindo ao absurdo das crenças, dogmas, rituais e estrutura hierárquica.  Ao falar de uma mulher ou um homem religioso, nos referimos àqueles que se libertaram de séculos de propaganda, do peso morto da tradição, moderna ou antiga. Os filósofos que se contentam com teorias, conceitos e jogos de ideias, não têm a possibilidade de explorar além da janela estreita do pensamento, nem o cientista com suas capacidades extraordinárias, com seu pensamento talvez original, com seu imenso conhecimento. O conhecimento é o depósito da memória e deve haver liberdade do conhecido para explorar o que está para além dele. Deve haver liberdade para investigar sem qualquer laço, escravidão, sem qualquer apego à experiência própria, às próprias conclusões, a todas as coisas que o homem impôs a si mesmo. O intelecto deve estar tranquilo, em quietude absoluta, sem nenhum tremor, nenhum movimento do pensamento.

A nossa educação agora está baseada no cultivo do intelecto, do pensamento e do conhecimento — que são necessários no campo da nossa ação diária, mas que não têm lugar no nosso relacionamento psicológico uns com os outros, pois a própria natureza do pensamento divide e destrói. Quando o pensamento domina todas as nossas atividades e todos os nossos relacionamentos, ele produz um mundo de violência, terror, conflito e miséria.

Nessas escolas, todos nós — tanto os jovens quanto os mais velhos — devemos dar atenção a isso.

Jiddu Krishnamurti — A arte de aprender – Cartas às escolas

No amor não há o desejo de segurança

VRB – A realidade é a mais importante de todas as questões metafísicas. Pode a mente conhecê-la?

Krishnamurti – A realidade não é cognoscível pela mente, porque a mente resultado do conhecido, do passado. A Realidade não é contínua, não é permanente, porém uma coisa que se precisa descobrir momento por momento.

VRB – Por isso, muitas pessoas vivem a procura de mestre e gurus para compreender a realidade.

Krishnamurti – Não há intermediário entre vós e a Realidade; e se o há, é um corruptor, um malfeitor, não importa quem ele seja, se o mais sublime Salvador ou vosso mais novo guru ou instrutor. Vós sois o vosso próprio mestre e o vosso próprio discípulo.

VRB – Se temos uma finalidade na vida, qual seria ela?

Krishnamurti – O homem existe com a só finalidade de descobrir a Realidade ou Deus. Creio numa realidade que existe de momento em momento e que, absolutamente, não se encontra na esfera do tempo. Viver não é, em si, a própria finalidade?

VRB – Deus ou a realidade é uma questão de crença?

Krishnamurti – Deus é para ser encontrado, descoberto, não se deve crer nele. Para descobri-lo, a mente tem de estar livre tanto da crença como da descrença. Se pensais em Deus, esse Deus é a criação do vosso pensar. Deus não pode ser conhecido. Ele é totalmente desconhecido. Não pode ser experimentado.

VRB – Estamos sempre a procura de respostas. Mas quase nunca propomos perguntas adequadas.

Krishnamurti – O importante ao fazer-se uma pergunta não é achar a resposta, mas compreender o problema. Não há respostas para a vida. O que existe é o problema, e não a solução. Se conhecerdes o fundo do problema, a resposta estará lá. A pessoa que está pedindo, rogando, suplicando, ansiosa por uma orientação, achará aquilo que deseja, mas não será a verdade. O que receberá será a resposta das camadas inconscientes de sua própria mente, as quais se projetam no consciente; aquela voz tranquila e suave que lhe dá orientação, não é o real, mas tão só, a resposta do inconsciente.

VRB – Muito se tem discutido sobre a verdade. Como poderemos saber o que é a verdade?

Krishnamurti – Deus ou a verdade - ou como quiserdes chamá-lo - é algo que tem de ser experimentado diretamente, de momento a momento. A verdade não tem continuidade, é um estado atemporal.
Não se pode procurar a verdade: ela é que vem.
Nem há muitos caminhos para a verdade, nem há um só caminho; não há caminho algum.

VRB – Deus, realidade, desconhecido e verdade, na sua acepção, são a mesma coisa?

Krishnamurti – O desconhecido é a Verdade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo.

VRB – O que é a meditação?

Krishnamurti – A meditação é o libertar da mente dos seus pensamentos em todos os níveis.
A meditação é o expurgo do “conhecido”. É um ato que termina a cada minuto, um ato sem continuidade. Assim, a meditação é compreender, é estar consciente do processo total da consciência e nada fazer em relação a ela.
A nossa mente consciente foi condicionada para se ajustar o ambiente. Só a meditação pode libertar a mente do conhecido. Ela consiste na compreensão do processo de pensar. A meditação resulta da atenção completa.
Assim, meditação é compreender, é estar cônscio do processo total da consciência, e nada fazer em relação a ele; quer dizer, morrer instantaneamente para o passado.

VRB – Há distinção entre meditação e concentração?

Krishnamurti – Concentração não é meditação, porque, quando há interesse, é relativamente fácil concentrar-nos em al­guma coisa. Um general, ao planejar a guerra, a carnificina, está muito concentrado. O homem de negócios que está amontoando dinheiro é muito concentrado, capaz mesmo de ser cruel, pondo de parte todos os outros sentimentos, para concentrar-se completamente naquilo que deseja. O homem que está interessado em qualquer coisa, está naturalmente, espontaneamente concentrado. Tal concentração não é meditação, é, apenas, exclusão.
Que é então meditação? Por certo, meditação é compreensão — o meditar do coração é compreensão. Como pode haver com­preensão, se há exclusão? Como pode haver compreensão, quando há rogo, súplica? No compreender há paz, há liberdade; uma coisa que compreendeis, dessa coisa estais liberto. O simples concentrar-se ou rezar não traz compreensão. A compreensão é a base mesma, o processo fundamental da meditação. Não precisais aceitar a garantia de minha palavra, pois basta examinardes a oração e a concentração, muito atenta e profundamente, para verdes que nenhuma das duas leva à compreensão. Levam apenas, à obstinação, a uma fixação, à ilusão. Ao contrário, a meditação, na qual há compreensão, há liberdade, clareza, integração.

VRB – O que é conhecer? Há limites para o conhecimento?

Krishnamurti – O processo de conhecer e infinito. Por isso, não há aprender mais, mas, tão-só, aprender sempre.
Podemos conhecer o que está morto: nunca, porém, o que tem vida.
O conhecido só pode experimentar o conhecido.

VRB – O saber pode produzir a compreensão?

Krishnamurti – O saber não conduz à compreensão, mas a compreensão pode enriquecer saber e o saber pode completar a compreensão.

VRB – Pode a exagerada ânsia pelo saber tornar-se um vício?

Krishnamurti – O saber é um apego, como o beber; o saber não traz compreensão.

VRB – Cuido que aprender é mais importante do que conhecer.

Krishnamurti – A vida é um “processo” de aprender; mas não se pode aprender acumulando.

VRB – Quase todas as pessoas querem conhecer para alcançar algum objetivo, chegar a alguma conclusão.

Krishnamurti – Não há chegar; há só o movimento de aprender e esta é a beleza da vida”.
A maioria de nós não é livre para aprender, porque estamos acostumados a ser ensinados.
Aprender é um constante processo de eliminação do que se está acumulando, eliminação, a fim de se continuar descobrindo.

VRB – A atenção é fundamental no processo de aprendizagem. O que é a atenção? Como é estar atento?

Krishnamurti – Atenção é o estado em que desaparece todo conhecimento e só há investigação.
Para se prestar atenção têm de ser postos à margem todos os valores, opiniões, juízos, avaliações, interpretações.

VRB – A atenção exclui a sensação do tempo?

Krishnamurti – A atenção é o presente ativo.

VRB – O que é o autoconhecimento?

Krishnamurti – O autoconhecimento é a descoberta momento por momento dos movimentos do eu, suas intenções e buscas, seus pensamentos e apetites. O autoconhecimento é infinito e por isso nunca se chega a uma conclusão. É um processo extraordinário, porque o “eu” nunca é o mesmo a cada momento.
A compreensão fundamental de si mesmo não resulta da aquisição de conhecimento ou da acumulação de experiências, pois isso é só cultivo da memória. A compreensão de si mesmo acontece momento por momento.
O autoconhecimento é o começo da sabedoria.
Ora, existe algum meio, algum sistema de nos conhecermos? Qualquer pessoa talentosa, qualquer filósofo pode inventar um sistema, um método; mas, naturalmente, a observância de um sistema só produzirá um resultado criado por esse sistema, não é verdade? Se sigo um determinado método de conhecer a mim mesmo, terei o resultado que esse sistema necessariamente produz; mas o resultado, é evidente, não será a compreensão de mim mesmo. Isto é, se sigo um método, um sistema, um meio de me conhecer, estou moldando meu pensar, minhas atividades segundo um padrão, e a observância de um padrão não é compreensão de si mesmo.
Seguir um sistema é invariavelmente o resultado do nosso desejo de segurança, de certeza, e daí, é claro, não resulta a compreensão de nós mesmos. Quando seguimos um método, necessita mos de autoridades — o instrutor, o guru, o salvador, o Mestre — para nos garantirem o que desejamos; e este, por certo, não é o caminho do autoconhecimento.
E, agora, que entendemos por “autoconhecimento”? Que significa “conhecer a si mesmo”? Conheceis a vós mesmo? O “eu” é uma coisa estática, ou uma coisa em constante mutação? Posso conhecer-me? Conheço minha mulher, meu marido, meu filho, ou conheço apenas o retrato feito pela minha mente? É bem de ver que não posso conhecer uma coisa viva, não posso reduzir uma coisa viva a uma fórmula; o que posso fazer é, tão-somente, segui-la, aonde quer que leve; e se a sigo, nunca poderei dizer que a conheço. Assim, o conhecimento do “eu” significa seguir o “eu”, seguir todos os pensamentos, sentimentos, motivos, sem nunca dizer “conheço”. Só se pode conhecer o que é estático, morto.
Compreender a si mesmo é de suma importância, uma vez que não posso compreender nenhum problema humano, sem compreender o instrumento que observa, o instrumento que percebe, que examina.
Não tem fim o conhecimento de nós mesmos, pois é um movimento constante.

VRB – Filósofos entendem que a experiência é mais importante do que a razão. O que é a experiência?

Krishnamurti – No momento de experimentar não estais cônscios de vós mesmos, como “experimentadores” separados da experiência: estais num “estado de experimentar”. Tomemos um exemplo muito simples: estais irritados; no momento da irritação não há “experimentador” e experiência, só há experimentar. Mas, no instante em que saís desse estado, uma fração de segundo após o experimentar, surge o experimentador e a experiência, o agente e a ação com um fim em vista, que é o de libertar-vos da irritação ou reprimi-la. Vemo-nos repetidamente nesse estado, no estado de experimentar, mas assim que saímos dele, aplicamos-lhe um termo, um nome, e o registramos, conferindo, assim, continuidade ao “vir a ser”.

VRB – Pode alguém viver em solidão voluntária? O que ganharia com essa experiência que me parece anódina?

Krishnamurti – Não se pode viver no isolamento. A vida é experiência, experiência é relação.
As relações, sem dúvida, são um espelho em que nos descobrimos. Sem relações não existimos. Ser é estar em relação, estar em relação é existir. Só existis em relação, de outro modo não existis, a existência nada significa. Não é porque pensais, que existis, que vos tornais existentes. Existis porque estais em relação, e é a falta de compreensão das relações que causa conflito.
Só pode haver relações verdadeiras quando há amor.

VRB – A individualidade tem, por fundamento, a memória? Se assim for, a perda da memória é a morte da individualidade.

Krishnamurti – A memória fatual é imprescindível, como meio de ganharmos a vida, mas será imprescindível a memória psicológica?
Por que se tornou tão importante a memória? Pela razão simples e óbvia que não podemos viver completamente no presente.
A memória relativa a coisas técnicas é essencial, mas a memória, que mantém o “eu” e o “meu”, que dá identidade e continuidade ao “eu”, é coisa de todo prejudicial à vida e à realidade.

VRB – Penso, logo sou, dizia Descartes. Pensar é ser?

Krishnamurti – Todo pensar é condicionado. O processo do pensamento é reação da memória e a memória é sempre condicionada.
O pensador não criou o pensamento; foi o pensamento que criou o pensador.
Ninguém pode pensar numa coisa que não conhece; isto é impossível. O que se pode pensar sai do conhecido, do passado, seja remoto, seja o de um segundo atrás.
Terminado o momento vivido, o pensamento se apodera dele e lhe aplica um termo, dentro da categoria do conhecido.

VRB – O sofrimento é um tema constante na Religião e na Filosofia. Muitas são as explicações para o sofrimento. O que você pensa a respeito?

Krishnamurti – O sofrimento, na maioria das vezes, não passa de autocomiseração. O sofrimento não deve ser comparado. Comparação gera “compaixão de si mesmo” e, conseqüentemente, desdita.
Para se compreender o sofrimento é necessário o real experimentar dele e não há “ficção” verbal do sofrimento.

VRB – A filosofia epicurista aconselhava evitar o sofrimento.

Krishnamurti – Evitar o sofrimento é fazê-lo mais forte.
Temos de aplicar toda a nossa atenção à compreensão do sofrimento, e isso não é possível quando estamos procurando fugir do sofrimento, ou quando nossa mente está ocupada em buscar-lhe a causa.

VRB – Religiões e místicos encaram o sofrimento como uma purificação para o espírito.

Krishnamurti – Pensamos no sofrimento como um meio de se alcançar uma outra coisa – o céu, a paz, etc. - e por essa razão fizemos do sofrimento uma virtude.

VRB – O que é a esperança?

Krishnamurti – A esperança é o “processo” do tempo. Quando estamos felizes, não temos esperança. Viver é existir sem esperança e sem apreensão pelo amanhã. Pela esperança do amanhã sacrificais o hoje.

VRB – A finalidade do homem é ser feliz?

Krishnamurti – A felicidade não é um fim em si mesma. A felicidade é um derivado, um subproduto de outra coisa.
A felicidade é o resultado da realidade. Vem da compreensão do que. Ela só se acha no agora.

VRB – Myra y Lopes classificou o medo como um dos quatro gigantes da alma.

Krishnamurti – O medo começa a existir, quando desejamos viver segundo um determinado padrão. O medo nasce da possibilidade da perda do conhecido.
Em geral, o que tememos é a palavra e não o fato. Não há medo no presente real, vivo, dinâmico.

VRB – Alguns filósofos combatem a religião por considerá-la um processo de alienação.

Krishnamurti – Religião não é questão de dogma, ortodoxia e ritual; não é crença organizada. Religião é a busca da verdade. É a investigação para descobrir o Desconhecido.
Religião é uma experiência instantânea daquele estado mental que está fora da continuidade do tempo.
A verdadeira religião é a da mente que compreende os seus próprios processos.

VRB – Como você vê a educação no mundo moderno?

Krishnamurti – Nossa educação, na atualidade, é mero cultivo da memória, é a repetição e frases, de palavras, a aquisição de técnicas.
A moderna educação ensina a criança o que pensar e não a pensar.
O educador também tem de ser educado. Os mais velhos vos dizem que a vós — a nova geração — cabe criar um mundo dife­rente, mas a intenção deles não é esta, absolutamente. Pelo contrário, com muita reflexão e cuidado se põem a "educar-vos" para ajustar-vos ao velho padrão, com certas modificações. Embora usem palavras muito diferentes, mestres e pais, apoiados pelo governo e a sociedade, estão cuidando de treinar-vos para vos ajustardes à tradição, para aceitardes a ambição e a inveja como a norma natural da vida. Pouco lhes importa uma nova norma de vida, e por essa razão é que o próprio educador não está sendo corretamente educado. A velha geração criou este mundo belicoso, este mundo de antagonismo e divisão entre os homens; e a nova geração está lhe seguindo as pegadas muito diligentemente.
Não nos educam, de pequeninos, para escutar, investigar, compreender; nunca nos põem na presença dos problemas; só se nos dão respostas – o que deveria ser, o exemplo, o herói, o santo que devemos imitar, copiar. Assim jamais nos mostram as implicâncias do problema – e isto, este mostrar, é a verdadeira educação. Como não fomos educados para conhecer as sutilezas dos problemas, para a compreensão dos problemas, vemo-nos confusos quando nos chocamos com um problema, e logo queremos encontrar uma solução. Não há respostas para a vida. A vida é uma “coisa viva” , de momento a momento, e o homem que busca uma resposta para vida, está buscando a estagnação da mediocridade. A questão, por conseguinte, não é achar a solução, mas compreender o problema; o problema – e não a solução – é que contém a Verdade.

VRB – Qual a relação que se pode estabelecer o “eu”, a mente e a consciência?

Krishnamurti – O “eu”, o “ego” nada é senão um feixe de lembranças. O conflito é a consciência do eu. A experiência está sempre reforçando o “eu”.
Que é esse “eu” a que vossa mente se apega e que desejais continue existente? O “eu"”só existe em virtude de identificação, com posses, um nome, a família, fracassos, êxitos — tudo o que fostes e desejais ser. Vós sois aquilo com que vos identificastes; sois constituído de tudo isso, e sem isso não existis. É essa identificação com pessoas, com posses e idéias, que desejais subsista, mesmo além da morte; isso é uma coisa viva? Ou é simplesmente uma massa de contraditórios desejos, anseios, preenchimentos, e frustrações, com mais tristezas do que alegrias?
O “eu”, em qualquer nível, é o conhecido; e embora haja camadas do “eu” desconhecidas da mente superficial, essas camadas, no entanto, estão na esfera do conhecido.
A memória relativa a coisas técnicas é essencial, mas a memória psicológica, que mantém o “eu” e “meu”, que dá identidade e continuidade ao “eu” é coisa de todo prejudicial à vida e à realidade.
A revolução, a revolução psicológica criadora, em que não existe o “eu”, só é possível quando o pensador e o pensamento são um só, quando não há essa dualidade do pensador que controla o pensamento: e eu diria que só essa experiência pode libertar a energia criadora que, por sua vez, realiza a revolução fundamental, a quebra completa do “eu” psicológico.
Sem dúvida, a única coisa capaz de operar transformação fundamental, libertação psicológica criadora, é a vigilância cotidiana, é estarmos cônscios, momento por momento, dos nossos motivos conscientes e inconscientes.

VRB – E o medo?

Krishnamurti – Tudo o que a mente faz para livrar-se do temor, gera temor. O temor começa a existir quando desejo viver segundo determinado padrão. Viver sem medo significa viver sem determinado padrão.

VRB – O pensamento é livre?

Krishnamurti – O pensamento é reação da memória: é sempre condicionado. O pensamento, por conseguinte, jamais é livre. Foi o pensamento que criou pensador. Libertamo-nos do condicionamento, quando nos libertarmos do pensar. O pensar negativo é a compreensão do nosso condicionamento.
Não há pensar pessoal. Todo pensar é coletivo.
Sois sempre guiados pela memória.

VRB – Por conseguinte, podemos concluir que a vontade também não é livre.

Krishnamurti – A vontade é a continuidade de uma decisão baseada na memória, no conhecimento, ou na experiência: a vontade é a reação da mente condicionada.
Minha vontade nasceu do meu passado, foi criada pelo meu saber, pelas experiências que acumulei.

VRB – Então, todo esforço para libertarmo-nos é inútil?

Krishnamurti – A verdade é que liberta, não o esforço que fazemos para libertar-nos.

VRB – A mente pode ajudar-nos na nossa libertação?

Krishnamurti – A função da mente é existir separada. De outro modo, a mente não existe. Esvaziar a mente consiste em perceber a sua capacidade de criar ilusões e de se mover somente do conhecido para o conhecido. A mente vazia não é um estado de passividade, mais de intensa atividade crítica de seus próprios conteúdos, isenta de juízos de valor.
A mente que está ocupada, não pode ser criadora. A mente que se ocupa em preencher a si mesma, nunca descobrirá o desconhecido.
É sobremodo interessante observar o processo da mente, ver como ela depende das palavras, como as palavras estimulam a memória ou ressuscitam e vitalizam a experiência morta.
A libertação só é possível pela completa renúncia ao conhecimento.

VRB – É possível o conhecimento do nosso inconsciente?

Krishnamurti – A mente inconsciente não pode ser observada por meio da mente consciente. A mente consciente é coisa recente; "recente" no sentido de que foi condicionada para ajustar-se ao ambiente; foi recentemente moldada, pela educação, para adquirir certas técnicas a fim de viver, obter o sustento pessoal; ela contém memórias cultivadas, sendo, portanto, capaz de levar uma vida superficial, numa sociedade intrinsecamente apodrecida e estúpida. A mente consciente pode ajustar-se, pois esta é sua função. E quando é incapaz de adaptar-se ao ambiente, manifesta-se então uma neurose, um estado de contradição, etc. Mas a mente educada, a mente recentemente formada, não pode de modo nenhum investigar o inconsciente, que é antigo, que é resíduo do tempo, de todas as experiências raciais. O inconsciente é o repositório de ilimitado conhecimento das coisas que foram. Assim, como pode a mente consciente observá-lo? Não pode, porque está condicionada, limitada pelos conhecimentos recentes, pelos recentes incidentes, experiências, lições, ambições e ajustamentos. Essa mente consciente de modo nenhum pode olhar o inconsciente, e isso me parece bastante compreensível.

A mente consciente não pode, jamais, achar aquilo que é real. Ela só é capaz de escolher, julgar, pesar, comparar.

Mas, para compreender, descobrir, devemos ouvir sem a resistência da mente consciente, só interessada em debater, discutir, analisar.

VRB – Qual a função da consciência?

Krishnamurti – A função da consciência é experimentar, nomear, registrar. Dar nome às coisas, porém, dificulta sua compreensão. Os nomes dão continuidade aos nossos sentimentos. As palavras e os símbolos nos distraem do que é.

A mente é o instrumento do conhecido, e portanto não pode achar o desconhecido; só pode mover-se do conhecido para o conhecido.

Só podeis pensar no conhecido; não podeis pensar no desconhecido. No momento em que pensais no desconhecido, ele é apenas o conhecido, que projetastes. Deus ou a verdade é o impensável. Não se pode procurar a verdade: ela é que vem.

Só vos tornais consciente quando há atrito; de outro modo, não há consciência. O conflito é a consciência do “eu”.

VRB – Pode-se falar de uma solidão criativa?

Krishnamurti – A mente está vazia, quando está atenta e sensível. Nesse estado, o homem está realmente só.

Estar só não é o resultado de negação, de auto-isolamento. O estar só é o expurgo de todos os motivos, de todas as atividades do desejo, de todos os fins.

A solidão é a consciência do eu privado de sua atividade.

VRB – O que é a liberdade?

Krishnamurti – A liberdade é um estado de ser que não resulta do desejo de ser livre.

Quando há liberdade, não há espaço nem tempo.

No momento em que desejamos ser algo, já não somos livres.

A ânsia de libertação forja seus próprios grilhões.

Estar cônscio de ser livre não é liberdade. Na própria compreensão do cativeiro encontra-se a liberdade.

A liberdade está sempre no começo e não no fim.

VRB – Erich Fromm fazia uma distinção entre liberdade de e liberdade para.

Krishnamurti – Ninguém é livre de ou para alguma coisa: é simplesmente livre. A libertação se dá no hoje. A verdade é que liberta, não o esforço que fazemos para libertar-nos. A essência da liberdade é a rejeição do conhecido. Porém, onde há escolha, não há liberdade, porque a escolha resulta do nosso próprio condicionamento. O que é livre não pode andar à procura de fim algum.

VRB – Pode a mente transcender o seu condicionamento?

Krishnamurti – A mente nunca transcende o seu condicionamento e por essa razão nunca é livre. Onde há escolha não há liberdade, porque a escolha resulta, justamente, do nosso estado condicionado. A libertação só é possível pela completa renúncia ao conhecido. Quando a mente está toda ocupada com suas penas, esperanças e temores, não lhe sobra espaço para liberdade. Ajudar o homem a ser livre e a compreender o problema do ajustamento; ajudá-lo a obedecer, sem ser escravo da sociedade; a observar as normas e padrões, a ajustar-se à sociedade, mantendo sempre aquele extraordinário espírito da liberdade. Se observardes com muita atenção, vereis que, embora a reação, o movimento do pensamento pareça tão rápido, há vãos, há intervalos entre pensamentos. Entre dois pensamentos há um período de silêncio, que não se relaciona com o processo de pensamento. Observando-o, vereis que esse período de silêncio, esse intervalo, não é temporal, e o descobrimento desse intervalo, o pleno experimentar desse intervalo, liberta-vos do condicionamen­to — ou, melhor, ele não vos liberta, mas o que vem é a libertação do condicionamento. Assim, a compreensão do processo do pensar é meditação. Não estamos apenas examinando a estrutura e o processo do pensamento, que constitui o fundo da memória,da experiência, do conhecimento, mas estamos também tentando descobrir se a mente pode libertar-se do fundo. Só quando a mente não está dando continuidade ao pensamento, quando ela está tranqüila, numa tranqüilidade não produzida, não causada, só então pode vir a liberdade, um estado livre do fundo.

VRB – Parece que, no íntimo, as pessoas querem ter certezas para se sentirem seguras.

Krishnamurti – Esse próprio desejo de certeza é o começo da escravidão. Só quando a mente não está aprisionada na rede da certeza, nem está a buscar certeza, só então ela se encontra num estado de descobrimento.

VRB – Filósofos e poetas procuram definir o que é o amor. O amor é pensável, ou se trata de uma experiência de natureza subjetiva, variando de pessoa a pessoa?

Krishnamurti – O amor é um estado em que não existe pensamento.
O amor é sem “motivo”. O amor é a ação sem agente. Não se pode pensar o amor.
O amor não pode ser pensado, o amor não pode ser cultivado, o amor não pode ser exercitado. A prática do amor, o exercitar da fraternidade está ainda dentro da esfera da mente e por conseguinte não é amor. Quando tudo isso tiver cessado, então nascerá o amor, sabereis então o que é amar. O amor não é então quantitativo, mas qualitativo. Não dizeis "amo o mundo inteiro"; quando sabeis amar a um só, sabeis amar o todo. Porque não sabemos amar a um só, nosso amor à Humanidade é fictício. Quando amais, não há nem um nem muitos: só há amor.

VRB – É o amor é uma experiência atemporal?

Krishnamurti – O amor não conhece amanhã.

VRB – Embora o amor não resulte do desejo de amar, há pessoas que querem amar como uma forma de proteção.

Krishnamurti – Para a maioria das pessoas, o amor é isso, com todo seu fumo e confusão: medo da insegurança, da solidão, da frustração, do abandono da velhice, etc.
O amor nunca é segurança; o amor é um estado em que não existe desejo de estar em segurança; é um estado de vulnerabilidade.
Desejais ser amado, porque não amais.
Onde existe o eu, não há amor. Ele é um estado sem causa.
O amor é ação e tudo mais é reação. Só pode haver relações verdadeiras quando existe o amor.
Quando há amor, não há nenhum dever.

VRB – O ser humano não sabe viver na insegurança. Ele sempre quer sentir-se seguro: segurança física, segurança psicológica.

Krishnamurti – Não há segurança - segurança psicológica - em tempo algum, em nenhum nível, nem com ninguém. O próprio desejo de estar em segurança destrói a segurança.
Estar perdido em companhia de muitos é uma forma de segurança psicológica: estar identificado com um grupo, uma idéia, secular ou espiritual, é sentir-se em segurança.
A mente que quer estar sempre em segurança é uma mente morta, porque não há segurança, não há permanência nesta vida.

VRB – Existe algum estado psicológico em que uma pessoa não se preocupe com a segurança?

Krishnamurti – O amor é um estado em que não existe o desejo de estar em segurança.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Diálogo sobre amor, sexo, prazer e desejo

Interrogante: Vim, na verdade, com o fim de perguntar-lhe: Que é amor?

Krishnamurti: Antes de entrarmos na matéria, deve ficar-nos bem claro que a palavra não é a coisa, a descrição não é a coisa descrita, porque não há explicação, por mais extensa, por mais sutil e hábil que seja, que possa abrir o coração à imensidade do amor. Isso precisa ser compreendido, para não nos atermos às palavras; as palavras são úteis para a comunicação, mas, ao falarmos sobre uma coisa que é essencialmente “não verbal”, devemos estabelecer entre nós um estado de comunhão, de modo que ambos sintamos e percebamos a mesma coisa ao mesmo tempo, com plenitude da mente e do coração. De contrário, estaremos apenas brincando com palavras. Como considerarmos essa coisa realmente tão sutil que não pode ser alcançada pela mente? Temos de caminhar com certa cautela. Não devemos, primeiramente, ver o que ela não é?  — pois assim talvez tenhamos a possibilidade de ver o que ela é. Pela negação pode-se chegar ao positivo, mas, se tratamos meramente de perseguir o positivo, seremos levados a suposições e conclusões, que são fatores de divisão. Você está perguntando o que é o amor. Estamos dizendo que poderemos encontrá-lo quando soubermos o que ele não é Qualquer coisa produtiva de divisão, separação, não é amor, porque na divisão há conflito, luta e brutalidade.

Interrogante: O que você quer dizer com isto: divisão e separação causam luta?

Krishnamurti: O pensamento, por sua própria natureza, é divisório. É o pensamento que busca o prazer e o conserva. É o pensamento que cultiva o desejo.

Interrogante: Você pode dizer mais alguma coisa sobre o desejo?

Krishnamurti: vemos uma casa, temos a sensação de que é bela, e vem então o desejo de possuí-la e dela fruir prazer; então, nos esforçamos por adquiri-la. Tudo isso constitui o centro, e esse centro é a causa da divisão. Esse centro é o sentimento da existência de um “eu” é o sentimento de separação. Ele tem sido chamado “ego” e por outros nomes de toda espécie — “eu inferior”, em oposição à ideia de um “eu superior”. Mas, não há necessidade de complicações a esse respeito, pois se trata de uma coisa muito simples. Onde há o centro, que é o sentimento do “eu”, o qual, com suas atividades se isola a si próprio, há divisão e resistência. E tudo isso é processo do pensamento. Assim, quando você pergunta o que é o amor, deve saber que ele não faz parte desse centro. O amor não é prazer e dor, não é ódio, nem violência em qualquer forma.

Interrogante: Portanto, nesse amor a que você se refere não pode haver sexo, já que não pode haver desejo.

Krishnamurti: Por favor, não tire nenhuma conclusão. Nós estamos investigando, explorando. Qualquer conclusão ou suposição impede o aprofundar da investigação. Para responder a essa pergunta, temos também de considerar a energia do pensamento. O pensamento, como dissemos, sustenta o prazer, pensando naquilo que proporcionou prazer, cultivando a imagem, a representação dessa coisa. O pensamento engendra o prazer. O pensar no ato sexual gera luxúria, coisa muito diferente do ato sexual. O que interessa à maioria das pessoas é a paixão da luxúria. O desejar, antes e depois do ato sexual, é luxúria. Esse desejar é pensamento. Pensamento não é amor.

Interrogante: Pode haver ato sexual se não houver esse desejo nutrido pelo pensamento?

Krishnamurti: Isso você tem de descobrir por si mesmo. O sexo tem um papel importantíssimo em nossa vida, por ser, talvez, a única experiência profunda e direta que temos. Intelectual e emocionalmente, ajustamo-nos, imitamos, seguimos, obedecemos. Há dor e atrito em todas as nossas relações, exceto no ato sexual. Sendo esse ato tão diferente e tão belo, torna-se uma paizão e, por conseguinte, uma nova servidão. Essa servidão é a imperiosa necessidade que temos de sua continuação; mais uma vez, a ação do centro divisor. Vemo-nos de tal maneira cercados de restrições — intelectualmente, na família, na comunidade, pela moralidade social, pelas sanções religiosas — que só nos resta esta única relação em que há liberdade e intensidade. Daí o lhe darmos tão extraordinária importância. Mas, se houvesse liberdade em todos os sentidos, o sexo não seria aquela paixão nem o imenso problema que hoje é. Tornamos o sexo um problema porque não podemos saciar-nos dele, ou porque nos sentimos “culpados” se nos saciamos, ou porque, saciando-nos, infringimos as regras estabelecidas pela sociedade. É a sociedade velha que chama a sociedade nova de “desregrada”, porque na nova sociedade o sexo faz parte da vida. Libertando-se a mente da servidão da imitação, da autoridade, do ajustamento e das prescrições religiosas, o sexo terá o seu justo lugar e não será uma paixão insaciável. Daí se vê que a liberdade é essencial ao amor — não a liberdade da revolta, a liberdade de fazemos o que nos agrada ou de cedermos, aberta e secretamente, aos nossos desejos, porém, a liberdade que vem com a compreensão integral da estrutura e natureza do centro. A liberdade é então amor.

Interrogante: Essa liberdade não é desregramento?

Krishnamurti: Não. Desregramento é servidão. Amor não é ódio, nem ciúme, nem ambição, nem espírito de competição com o simultâneo medo ao fracasso. Não é “amor divino” nem “amor humano” — que também significa divisão. O amor não é de um ou da multidão. Havendo amor, ele é pessoal e impessoal, com e sem objeto. Ele é como o perfume de uma flor, que pode ser respirado por um só ou por todos. O que tem verdadeira importância é o perfume, e não a quem ele pertence.

Interrogante: Onde entra, nisso, o perdão?

Krishnamurti: Quando há amor, não pode haver perdão. O perdão só vem depois de termos acumulado rancor; perdoar é ressentimento. Onde não há ferida, não há necessidade de cura. É a desatenção que gera o ressentimento e o ódio e, ao nos tornarmos cônscios deles, perdoamos; o perdoar fomenta a divisão. Se você tem consciência de que está perdoando, está pecando; se está cônscio de que é tolerante, você é intolerante. Quando está cônscio de que se acha em silêncio, não há silêncio. Quando deliberadamente se propõe a amar, é violento. Enquanto houver um observador a dizer “eu sou” ou “eu não sou”, o amor não pode existir.

Interrogante: Que lugar cabe o medo, no amor?

Krishnamurti: Como você pode fazer tal pergunta? Onde existe um, o outro não existe. Quando existe amor, você pode fazer o que quiser.

Jiddu Krishnamurti — A luz que não se apaga

De que modo posso colocar fim ao pensamento?

Interrogante: Desejo saber o que você entende por “cessação do pensamento”. Sobre o assunto conversei com um amigo e disse-me ele que isso deve ser alguma extravagância oriental. Para ele, o pensamento é a mais alta forma de inteligência e da ação, o próprio sal da vida, uma coisa indispensável. Ele criou a civilização e nele estão baseadas todas as relações. Isso todos nós admitimos, do mais sublime pensador ao mais humilde trabalhador. Se não estamos pensando, estamos dormindo, vegetando, ou sonhando acordados; somos vazios, insensíveis, estéreis; mas, quando despertos, estamos pensando, atuando, vivendo, disputando. São esses os dois únicos estados que conhecemos. Você diz que devemos transcender ambas as coisas — pensamento e a vazia inatividade. O que você quer dizer com isso?

Krishnamurti: Para dizê-lo com muita simplicidade, o pensamento é a reação da memória, do passado. O passado é uma infinidade ou um segundo atrás. Quando o pensamento atua, é o passado que está a atuar, como memória, como experiência, como conhecimento, como oportunidade. A vontade é o desejo baseado nesse passado e dirigido para o prazer ou para a fuga à dor. Quando o pensamento está funcionando, ele é o passado e, por conseguinte, não há um viver novo; o passado é que está vivendo no presente, modificando a si próprio e ao presente. Dessa maneira, não há nada novo na vida e, quando se quer descobrir alguma coisa nova, o passado deve estar ausente, a mente não deve estar atravancada de pensamentos, medo, prazer, etc. Só quando a mente se acha desimpedida, pode surgir o novo, e por essa razão dizemos que o pensamento deve manter-se quieto, funcionando apenas quando deve funcionar — objetivamente, eficazmente. Toda continuidade é pensamento; quando há continuidade, não há nada novo. Percebe o quanto isso é importante? É uma questão que concerne à própria vida. Ou uma pessoa vive no passado, ou vive de maneira totalmente diferente; eis o ponto essencial.

Interrogante: Creio que percebo o que você quer dizer, mas, de que maneira posso colocar fim ao pensamento? Quando ouço o melro cantar, o pensamento me diz que o melro está cantando; quando percorro a rua, o pensamento diz que estou percorrendo a rua e me informa de tudo o que vejo e reconheço; quando me ocupo com a ideia de “não pensar”, é ainda o pensamento quem faz esse jogo. Tudo o que tem significação, toda compreensão, toda comunicação é pensamento. Até quando não estou em comunicação com outra pessoa, estou em comunicação comigo mesmo. Quando estou desperto, penso, quando durmo, penso. Toda a estrutura de meu ser é pensamento. Suas raízes são muito mais profundas do que sei. Tudo o que penso e faço, e tudo o que sou, é pensamento — o pensamento a criar prazer e dor, apetites, ânsias, resoluções, conclusões, esperanças, temores e questões. O pensamento assassina e o pensamento perdoa. Como posso transcendê-los? Não é ainda o pensamento que quer transcender a si próprio?

Krishnamurti: Ambos dissemos que, quando o pensamento está quieto, algo de novo pode existir. Vimos claramente este ponto, e compreendê-lo claramente é a cessação do pensamento.

Interrogante: Mas essa compreensão é também pensamento.

Krishnamurti: De fato? Suponha que é pensamento, mas é realmente?

Interrogante: É um movimento mental que tem significação, uma comunicação a nós mesmos.

Krishnamurti: Se é uma comunicação a nós mesmos, é pensamento. Mas a compreensão é um movimento mental com significação?

Interrogante: É.

Krishnamurti: A significação da palavra e a compreensão dessa significação é pensamento. Ele é necessário, na vida. Na vida, o pensamento deve funcionar eficientemente, isto é, no domínio tecnológico. Mas você não está perguntando isso. Está perguntando como pode o pensamento, que, como você entende, é o próprio movimento da vida, pode terminar. Só pode ele terminar quando morremos? Esta é, com efeito, a sua pergunta, não?

Interrogante: É.

Krishnamurti: É a pergunta correta. Você deve morrer! Morrer para o passado, para a tradição.

Interrogante: Mas, como?

Krishnamurti: O cérebro é a fonte do pensamento. O cérebro é matéria e o pensamento é matéria. Pode o cérebro, com suas reações e “respostas” imediatas a todo desafio e exigência — pode esse cérebro ficar muito quieto? Não se precisa saber “como” colocar fim ao pensamento, mas, sim, se o cérebro pode tornar-se completamente quieto. Pode ele atuar com o máximo de capacidade quando necessário, e a outros respeitos manter-se quieto? Essa quietude não é a morte física.

Veja o que acontece quando o cérebro fica completamente quieto.

Interrogante: Naquele espaço (de tempo) havia um melro, a verde árvore, o céu azul, um homem a martelar na casa vizinha, o som do vento entre as árvores, o pulsar de meu próprio coração, a total quietação do corpo. Nada mais.

Krishnamurti: Se houve reconhecimento do melro a cantar, então o cérebro estava ativo, interpretando. Não estava quieto. Isso exige realmente extraordinária vigilância e disciplina, a observação que traz sua disciplina própria, não imposta nem criada pelo seu próprio e inconsciente desejo de alcançar um resultado ou uma agradável experiência nova. Por essa razão, durante o dia o pensamento deve funcionar eficientemente, sãmente, e também observar a si próprio.

Interrogante: Isso é fácil, mas — como transcendê-lo?

Krishnamurti: Quem está fazendo está pergunta, é o desejo de experimentar alguma coisa nova ou é o interesse de investigar? Se é o interesse em investigar, deve então investigar toda a atividade do pensamento, com ele se familiarizar, conhecer-lhe todos os artifícios e sutilezas. Se você fizer isso, deve saber que a pergunta “como ultrapassar o pensamento?” é uma pergunta vazia. Ultrapassar o pensamento é saber o que ele é.

Jiddu Krishnamurti — A luz que não se apaga

No cessar do sofrimento tem começo a Vida Nova

Uma taça só é útil quando vazia. A mente da maioria de nós está anuviada, repleta de coisas — experiências agradáveis e desagradáveis, conhecimentos, padrões ou fórmulas de comportamento, etc. Nunca está vazia. A criação só ocorre quando a mente está de todo vazia. A criação é sempre nova e, por conseguinte, a mente se torna, de contínuo, vigorosa, juvenil, inocente; ela nunca repete e, por conseguinte, não cria hábitos.

Não sei se você já notou o que às vezes ocorre quando tem um problema matemático ou psicológico. Você pensa nele por muito tempo, luta com ele como um cachorro com um osso, mas não encontra a solução. Depois o coloca de lado, se afasta dele, e vai dar um passeio; e, de repente, desse vazio, vem a resposta. Isso já deve ter acontecido a muitos de nós. Ora, como acontece isso? Sua mente esteve muito ativa, dentro de seus próprios limites, a respeito do problema, porém você não encontrou a solução e o colocou de lado. Tornou-se ela um tanto quieta, tranquila, vazia; e, nessa tranquilidade, nesse vazio, o problema se resolveu. De modo idêntico, quando uma pessoa morre a cada minuto para seu ambiente interior, suas ligações interiores, as lembranças interiores, os íntimos segredos e agonias, há então um vazio, e só nesse vazio algo de novo pode ocorrer. Eu não estou advogando esse vazio, nem fazendo propaganda em seu favor — Deus me livre! Só estou dizendo que, se esse vazio não se tornar existente, continuaremos com o nosso sofrer, nossa ansiedade, nosso desespero — e nossas atividades criarão cada vez mais confusão.


Para fazer nascer um ente humano diferente e, por conseguinte, uma nova sociedade, um mundo diferente, é necessário que cesse o sofrimento porque só com a cessação do sofrimento terá começo a VIDA NOVA.  

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do amor

O Sagrado não pode existir sem o amor e a compreensão da morte

Como disse há dias, o Sagrado não pode existir sem o amor e a compreensão da morte. Uma das coisas mais maravilhosas da vida é o descobrimento de algo, inesperadamente, espontaneamente; encontrar-nos com uma coisa, sem premeditação, e percebermos instantaneamente sua beleza, sua essência sagrada, sua realidade. Mas a mente que está a buscar, desejando encontrar, jamais alcançará esse ponto. O amor não é cultivável. O amor, como a humildade, não pode ser formado pela mente. Só o homem vão tenta ser humilde; só o homem orgulhoso procura afastar o seu orgulho mediante o cultivo da humildade. O cultivo da humildade é ainda um ato de vaidade. Para se escutar, e, portanto, aprender, necessita-se de uma humildade espontânea; e a mente que compreendeu a natureza da humildade jamais segue, jamais obedece; pois, como pode aquilo que é completamente negativo, vazio, obedecer ou seguir a quem quer que seja?

A mente que, graças à sua própria lucidez, nascida do autoconhecimento, descobriu o que é o amor, pode também perceber a natureza e a estrutura da morte. Se não morremos para o passado, para tudo o que veio de ontem, nossa mente continua presa em suas ânsias, nas sombras de sua memória, em seu condicionamento e, portanto, não há claridade. O morrer para o ontem, facilmente, voluntariamente, sem discussão, nem justificação, exige energia. Discussão, justificação e escolha constituem um desperdício de energia, e, por isso, não temos possibilidade de morrer para os dias passados, para que nossa mente se torne vigorosa e nova. Uma vez existente a claridade do autoconhecimento, o amor, com sua doçura, a acompanha; vem uma humildade de espontânea natureza e, ao mesmo tempo, a libertação do passado por meio da morte. E de tudo isso emana a criação. Criação não é expressão pessoal, não é espalhar tintas sobre um pedaço de tela, nem escrever um volumoso ou modesto livro, nem fazer pão na cozinha, nem gerar filhos. Nada disso é criação. Só há criação ao existir o amor e a morte. A criação só pode vir com o morrer, em cada dia, para todas as coisas, de modo que nunca possa haver acumulação de lembranças, na forma de memória. É bem ver que se necessita acumular certas coisas — vestuário, nossa casa e haveres pessoais — mas não é a esse respeito que estou falando. Refiro-me ao senso interior, da mente, de acumulação e posse, de onde resulta o desejo de domínio, de autoridade, de ajustamento, de obediência; esse é que impede a criação, porque a mente nunca está livre. Só a mente livre sabe o que é a morte e o que é o amor; só para ela há criação. Nesse estado, a mente é religiosa; nesse estado tem existência o Sagrado.

Para mim, a palavra “Sagrado” tem extraordinário significado. Mas vejam, por favor, que não quero fazer propaganda desta palavra, não quero convencer-lhes de coisa alguma, não quero fazer-lhes sentir ou experimentar a realidade por meio desse termo. Não o podem. Vocês têm de percorrer sozinho esse caminho, não verbalmente, porém realmente. Vocês têm de morrer verdadeiramente para tudo o que conhecem — suas lembranças, suas tribulações, seus prazeres. E, quando não houver mais ciúme, nem inveja, nem avidez, nem a tortura do desespero, saberão então o que é o amor e se encontrarão com aquilo que pode ser chamado o Sagrado. O Sagrado, por conseguinte, é a essência da religião. Como sabem, um grande rio pode poluir-se quando, em seu curso, atravessa uma cidade, mas, se não for demasiada a poluição poucas milhas além suas águas estão de novo limpas, frescas, puras. De modo idêntico, depois que a mente se encontra com o Sagrado, todo ato seu é então um ato purificador. Com seu próprio movimento a mente está-se tornando inocente e, por conseguinte, não está acumulando. A mente que descobriu o Sagrado se acha em constante revolução — não revolução econômica ou social, porém, uma revolução interior, com a qual se purifica infinitamente. Seu atuar não se baseia em nenhuma ideia ou formula. Como o rio, ajudado pelo seu enorme volume de água se purifica em seu curso, assim se purifica a mente após haver atingido aquele estado religioso do Sagrado.

Krishnamurti — O descobrimento do amor 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Dentro do caos, que se pode achar senão caos?

Para alcançarmos aquela realidade que não pode ser apreendida por meio de palavras e símbolos, é claro que devemos banir do espírito o significado tradicional, as conclusões religiosas de certas palavras. Há séculos o homem busca algo de superior a si próprio, algo que lhe servisse de meio de fuga a este mundo horroroso, tirânico, cheio de sofrimento, que o compensasse de sua existência dolorosa, lastimável, confusa. Para podermos viver neste mundo o mais equilibradamente possível, vocês e eu criamos, por causa do nosso medo, de nossa angústia, uma imagem, um Deus pessoal, uma força super-humana, que supomos agir como princípio diretor de nossa conduta. No Oriente essa imagem difere um tanto da do Ocidente, mas, em toda a parte, ela é uma criação da mente humana. Nada tem de sagrado. Nada há de sagrado nos rituais do Ocidente ou do Oriente., elaborados que foram pelo homem, no seu desespero, sua tortura, seu medo, sua ansiedade; e o que nasce do medo, da ansiedade, nunca conduzirá o homem à Verdade. Seus rituais, seus símbolos, suas preces poderão entretê-lo, estimulá-lo, dar-lhe uma certa inspiração, um certo sentimento de bem-estar; mas, atrás delas, nenhuma verdade existe, absolutamente, porque foram criadas pelo ente humano em sua imensa agonia.

O homem sempre buscou, e aparentemente achou; por conseguinte, vamos agora examinar estas duas palavras “buscar” e “achar”. Nós buscamos em virtude de nossa própria confusão. Buscamos algo permanente porque vemos que tudo o que nos rodeia é impermanente. Buscamos um amor espiritual, um conforto celestial, uma Divina Providência, porque dentro de nós existe tanta confusão, e sofrimento, e agonia. Por outras palavras, nós buscamos no meio do caos, e o que achamos nasce desse caos. Este fato, pois, precisa ser compreendido, isto é, que buscar e achar não só é um desperdício de energia, senão também um verdadeiro obstáculo, uma coisa perniciosa.

Vocês podem não concordar com o que se está dizendo, mas notem, por favor, que não estamos tratando de algo com que se pode concordar ou de que se pode discordar. Estamos investigando uma coisa que exige grande soma de energia, alta sensibilidade, intenso percebimento e atenção. Isso significa que, para descobrir, temos de varrer tudo: todas as asserções, e dogmas, e sanções. As religiões, em todo o mundo, estabeleceram certas fórmulas, certos métodos e tradições, que mandam observar a fim de se poder descobrir. O homem sempre andou a buscar, na esperança de encontrar algo original, algo superior à sua imaginação, à sua vaidade: Deus, um Ser Supremo, uma Essência Divina, que o guiará, ajudará, confortará. Mas, atrás dessa ânsia de conforto, encontra-se aquele vasto “reservatório” da ignorância do homem acerca de si mesmo, da causa de seus desesperos e de seu perene ansiar por algo permanente.

Se uma pessoa é um tanto inteligente ou desperta, e se acha insatisfeita com este mundo transitório, deseja algo que seja permanente e, por conseguinte, está sempre a buscar — filiando-se a um certo movimento, ligando-se a um certo partido ou atividade, etc. Nessa busca, está sempre ativa. Mas tal busca conduz, invariavelmente, a um fim preestabelecido. O que se deseja é conforto, permanência, um estado de espírito sempre isento de perturbação, o qual chamamos “paz”; e o que se busca poderá ser achado, mas nunca será o real, nunca será a Verdade.

Assim, a mente que deseja descobrir o real, a Verdade, deve deter essa busca, essa ânsia de achar. Vendo-nos confusos, ansiosos, infelizes, oprimidos pelo sofrimento, buscamos conforto fora de nós mesmos — nos livros, nos instrutores, nos gurus, nos salvadores, nas religiões organizadas; e, encontrando um certo conforto, uma certa segurança, a isso nos apegamos com todas as forças. Mas, esse buscar e esse achar têm por resultado invariável a deterioração da mente; porque a mente deve manter-se sobremodo ativa, sensível, desperta, vitalmente enérgica. Assim, colocar fim ao buscar e ao achar significa eliminar o sofrimento, porque a mente está então a revelar-se a si própria, a compreender-se, sendo essa a verdadeira essência da atividade religiosa.

Se não conhecemos a nós mesmos, a mera busca só pode gerar ilusões. Os entes humanos desejam mais e mais experiência. Todos desejamos mais experiência — não só a “experiência” de uma viagem a Marte ou do descobrimento de novas galáxias, mas desejamos também mais experiência interiormente, porque a experiência de nosso viver diário já nada significa. Temos tido experiências sexuais, e esse prazer, repetido dia por dia, se tornou um tanto monótono, entediante e, por conseguinte, desejamos outra forma de experiência, uma certa atividade social nova. Queremos os louvores da comunidade, nos tornar mundialmente famosos, queremos prestígio, posição em virtude de nossas funções. E é por causa desse desejo de mais experiências que recorremos a drogas, como o L.S.D., que tornam a mente mais sensível, mais ativa, e, dessa amenira, nos proporcionam experiências mais amplas, mais profundas, mais intensas.

Peço que notem, como disse outro dia, que este orador não é importante; mas o que ele diz é importante, porquanto o que está dizendo é a voz do próprio Eu de vocês a pensar em voz alta.

Através das palavras que o orador está empregando, estão escutando a si mesmos e não o orador; por essa razão é da máxima importância o escutar. Escutar é aprender, e não acumular. Se acumulam conhecimentos e escutam com essa acumulação, com o fundo de saber de vocês, não estão escutando. Só escutando, podem aprender. Estão aprendendo a respeito de si mesmos, e, por conseguinte, devem escutar com zelo, com extraordinária atenção; e a atenção é negada quando justificam, condenam ou de outro modo avaliam o que ouvem. Não estão então escutando, não estão percebendo, vendo.

Se se sentam à margem de um rio após uma tempestade, veem a corrente passar carregando enorme quantidade de destroços. De modo idêntico, devem observar o movimento do Eu de vocês, acompanhando cada pensamento, cada sentimento, cada intenção, cada motivo — observá-lo simplesmente. Esse observar é também escutar. É perceber com os olhos, os ouvidos, com o discernimento de vocês, todos os valores criados pelos entes humanos, e pelos quais vocês se acham condicionados; e só esse estado de total percebimento pode colocar fim a toda busca.

Como disse, busca e achar é desperdício de energia. Quando a própria mente está no escuro, confusa, assustada, aflita, ansiosa, que bem lhe faz o buscar? Dentro desse caos, que se pode achar senão mais caos? Mas, quando há clareza interior, quando a mente não está temerosa, exigindo segurança, então não há mais buscar e, por conseguinte, não há mais achar. Ver a Deus, ver a Verdade não constitui um ato religioso. O único ato religioso é o alcançar essa clareza interior mediante autoconhecimento, isto é, pelo estarmos cônscios de nossos íntimos e secretos desejos, deixando-os revelar-se, sem nunca corrigi-los, controlá-los ou a eles nos entregarmos, porém, sempre atentos a eles. Desse constante observar vem uma maravilhosa clareza e sensibilidade, uma extraordinária conservação da energia; e nós necessitamos de uma imensa energia, porque toda ação é energia, a própria vida é energia. Quando estamos aflitos, ansiosos, a disputar, a ter ciúmes, quando estamos temerosos quando nos sentimos insultados ou lisonjeados — tudo isso é dissipação de energia. Dissipação de energia é também estarmos doentes física ou espiritualmente. Tudo o que fazemos, pensamos e sentimos constitui um derrame de energia. Ora, ou devemos compreender a dissipação de energia, pois em virtude dessa compreensão há um natural ajuntamento de toda a nossa energia; ou passaremos nossa vida a lutar para conciliar as múltiplas e contraditórias manifestações da energia, contando que da periferia poderemos alcançar a essência.

A essência da religião é o Sagrado — que nenhuma relação tem com as organizações religiosas, nem com a mente que está senhoreada e condicionada por uma crença, um dogma. Para essa mente, nada há de sagrado senão o Deus que ela própria criou, ou o ritual que elaborou, ou as várias sensações que lhe vêm do orar, do adorar, da devoção. Mas, essas coisas não são sagradas, absolutamente. Nada há de sagrado no dogmatismo, no ritualismo, no sentimentalismo ou no emocionalismo. O Sagrado é a essência mesma da mente religiosa; é o que vamos investigar nesta manhã. Não nos interessa nada do que se supõe sagrado — o símbolo, a palavra, a pessoa, o retrato, uma dada experiência — que são puras infantilidades; o que nos interessa é a essência. Isso requer, da parte de cada um de nós, uma compreensão nascida do percebimento, em primeiro lugar, das coisas exteriores. A mente não pode ser levada pela maré do percebimento interior, sem primeiro estar cônscia do comportamento exterior, dos gestos externos, dos costumes, das formas, do tamanho e da cor de uma árvore, da aparência de uma pessoa, de uma casa. É a mesma maré que “sai” e que “entra”, e a menos que vocês conheçam a “maré externa”, nunca saberão o que é a “maré interna”.

(...) Quando há o percebimento interior de cada atividade do espírito e do corpo de vocês;  quando estão cônscios de seus pensamentos, seus sentimentos, tanto secretos como patentes, tanto conscientes como inconscientes, então, desse percebimento vem uma clareza que não é provocada, criada pela mente. E, sem essa clareza, podem fazer o que quiserem, rebuscar céus, terras e abismos, nunca descobrirão o verdadeiro.

Assim, o homem que deseja descobrir o verdadeiro necessita da sensibilidade do percebimento — o que não significa que ele deve exercitar-se nessa percepção. Isso só conduz ao hábito — hábito sexual, hábito de beber, hábito de fumar, qualquer hábito — torna a mente insensível; e a mente insensível, além de dissipar energia, torna-se embotada. A mente embotada, superficial, condicionada, a mente vulgar, pode tomar uma droga e, por um segundo, ter uma experiência maravilhosa; mas continua a ser uma mente vulgar. Mas, aqui não estamos querendo descobrir um método para colocar fim à  vulgaridade da mente.

Não se põe fim à vulgaridade da mente pela obtenção de mais conhecimentos, mais erudição, pelo ouvir música sublime, pelo visitar lugares pitorescos do mundo, etc., etc.; a cessação da vulgaridade nada tem a ver com isso. O que faz cessar a vulgaridade e a claridade do autoconhecimento, o movimento da mente livre de restrições; só essa é a mente religiosa.

A essência da religião é o Sagrado. Mas o sagrado não se encontra em nenhuma igreja, em nenhum templo, nenhuma mesquita, nenhuma imagem. Estou falando sobre a essência, e não a respeito das coisas que chamamos sagradas. E, ao compreender-se essa essência da religião — o Sagrado — tem a vida então um significado inteiramente diferente; tudo então tem beleza, e a Beleza é o Sagrado. Beleza não é aquilo que nos dá estímulo. Ao verem uma montanha, um edifício, um rio, um vale, uma flor, ou um rosto, vocês dizem que essa coisa é bela, porque por ela se sentem estimulados. Mas a beleza a que me refiro nenhum estímulo oferece. Não é beleza que se pode encontrar em algum quadro, em algum símbolo, algumas palavras, alguma música. Essa beleza é o Sagrado, a essência da mente religiosa, da mente esclarecida pelo autoconhecimento. Encontramo-nos com essa Beleza, não pelo desejar, pelo aspirar a tal experiência, porém, somente quando terminou todo desejo de experiência; esta é uma das coisas mais difíceis de compreender.

Como já assinalei, a mente que está em busca de experiência está sempre a mover-se na periferia, e a tradução de cada experiência dependerá do particular condicionamento de vocês. Se são cristãos, budistas, muçulmanos, hinduístas, ou comunistas — o que quer que sejam — suas experiências, obviamente, serão condicionadas conforme o fundo mental de vocês; e quanto mais desejarem experiências, mais fortaleceram esse fundo. Esse processo não é um meio de dissolver nem de terminar o sofrimento, porém, apenas, uma fuga ao sofrimento. A mente esclarecida pelo autoconhecimento, a mente que é a verdadeira essência da clareza e da luz, de nenhuma experiência necessita. Ela é o que é.

A clareza, pois, vem do autoconhecimento e não da instrução ministrada por outro, seja um talentoso escritor, seja um psicólogo, um filósofo, um pretenso instrutor religioso.

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do amor   

Quem está bem, não busca por crença zen

A matrix do pensamento dá origem ao distanciamento

O pensamento e a deterioração humana

O pensamento é uma coisa do tempo. O pensamento, como dele nos servimos, para livrar-nos de alguma coisa de que não gostamos, está baseado numa ideia — e essa ideia é a continuidade do prazer; por conseguinte, o pensamento diz: “Devo colocar fim à deterioração”. Mas, quando o pensamento intervém para colocar fim à deterioração, o que ele faz é aumentar a confusão.

(...) Vejam, temos o pensamento como o único meio de darmos continuidade ou fim a alguma coisa. E o pensamento é a “reação” do passado, da experiência, na forma de memória. Assim, quando o pensamento intervém para extinguir a deterioração, o que faz é intensifica-la.

(...) Estamos acostumados com o pensamento porque o pensamento é o único instrumento de que dispomos. E percebo que, quando faço uso do pensamento, com suas manhas, suas ideias, suas atividades, sua determinação, suas esquivanças, resistências, fugas — como meio de colocar fim à deterioração, ele só cria desordem, mais deterioração. Por conseguinte, deve haver alguma maneira de deter o pensamento.

Estão me acompanhando? Estou falando muito objetivamente. O que estou dizendo não é nenhuma fantasia oriental ou mística. Não é nenhuma ideia fantástica que o orador deseja lhes impingir. Ele está se referindo a dois fatos: um é a deterioração mental e o outro a necessidade de fazê-la terminar. E está também lhes apontando que nos utilizamos do pensamento neste mesmo sentido, porque o pensamento é tudo o que possuímos. Exercemos o pensamento de muitas e sagazes maneiras, esperando que assim o faremos cessar, pelo fugir, pelo dizer “Eu sou a alma, sou Atman, o EU Superior” — e demais banalidades. Ou fugimos, servindo-nos do pensamento para colocarmos fim à deterioração. E percebo agora claramente, não por dedução lógica, mas como um fato, que, quando o pensamento interfere, de qualquer maneira que seja, o que faz é apenas aumentar a deterioração. Isso, para mim, é uma coisa tão real como aquele rio que ali corre, murmurante e contente. O pensamento, quando desafiado, tem de funcionar clara, racional, lógica, sã, equilibradamente. Mas existe o fato essencial, ou seja, a deterioração humana, em que o pensamento não pode intervir e, quando o faz, torna maior a deterioração. A mente, pois, tem de descobrir como colocar fim ao pensamento; mas isso não significa tornar-se vaga, como que “em branco”, nem mergulhar em alguma fantasia mística, absurda. O pensamento é reação do passado e se baseia numa imagem que é, essencialmente, de prazer e de fuga à dor; e se esse princípio de prazer trata de sustar a deterioração, sua ação só produz mais deterioração. Deve, pois, a mente descobrir, por si própria, como colocar fim ao pensamento, em relação à deterioração. Contudo, o indivíduo deve estar sempre “carregado” de energia, na forma de pensamento, para desempenhar as funções de seu emprego, etc. Assim, não estou a dizer-lhes que devem deter o pensamento no viver de cada dia. O que digo é que o pensamento deve terminar completamente quando se trata de enfrentar o problema fundamental.

A mente, por conseguinte, deve descobrir o que é “estar em silêncio”. Só quando o pensamento termina, há silêncio. Quando estão escutando sem resistência a correnteza daquele rio ou o barulho daqueles meninos a jogar futebol, e não existe aquele “princípio de prazer” como pensamento, estão então escutando em silêncio, não é verdade? Escutem, totalmente, aquele rio. Não resistam, a fim de ouvirem o que o orador está dizendo, que, por ora, é desinteressante. Estão escutando totalmente o rio, por conseguinte, estão atentos com todo o ser de vocês; não há forçar a mente para concentrar-se. E, se vocês se acham totalmente atentos sem resistir, sem forçar, não estão escutando em silêncio total? Para estarmos em silêncio, necessitamos de liberdade; e, para termos liberdade precisamos de espaço interior.

Há, pois, o fato que é a deterioração, e também o fato de que há inumeráveis séculos o homem vem se servindo do pensamento como meio de colocar fim à deterioração — do pensamento, que é vontade, resistência, abstenção, esquivança, fuga. Mas, acabamos de descobrir que o pensamento não extingue a deterioração e, por conseguinte, estamos a interrogar-nos: “É possível a mente tornar-se completamente quieta, totalmente silenciosa?” Porque o silêncio total significa total renovação. A mente está inteiramente tranquila, silenciosa, porém, não em virtude da determinação, do querer, do desejo de prazer e de evitar a dor. É uma serenidade total, de que está ausente o pensamento. O pensamento é produto do tempo e, por conseguinte, essa quietude não é do tempo. E estando a mente tranquila, completamente livre do pensamento, existe dentro dela um espaço imenso, sem nenhum centro criador de espaço.

(...) Para encontrar esse silêncio, a mente precisa ser sensível no mais alto grau, viva, ativa; e, quando ele existe, não há, absolutamente, deterioração.

Mas é necessário compreender que, se esse silêncio existiu alguma vez, a mente anseia pela repetição. A mente, como sabem, está acostumada ao prazer e deseja sempre mais prazer; por conseguinte, ela se domina, se controla, esperando obter assim a continuidade do prazer. A meu ver, o domínio da mente, a concentração controlada é outro fator de deterioração; mas isso não significa que cada um pode fazer o que bem entende, deitar-se no chão a fumar ou tirar os sapatos numa sala de visitas. É necessário compreender, por inteiro, a natureza do controle e por que a mente está constantemente a querer controlar a si própria ou ser controlada; por que deseja empenhar-se numa atividade que a absorva totalmente, ou ocupar-se tão completamente com alguma coisa, com a qual se esqueça de si mesma. É necessário compreendermos tudo isso, para termos a possibilidade de compreender a natureza do controle e da concentração. Se vocês experimentam um momento de silêncio, desejam que ele continue e tratam de atormentarem-se com disciplinas a fim de reavê-lo. Desejamos que toda experiência de prazer continue a intensificar-se, e na esperança de a reavermos, somos capazes de fazer qualquer coisa, como tomar uma droga ou impor a nós mesmos alguma austera, severa disciplina. Mas, esse silêncio não tem continuidade; o que tem continuidade é a atividade egocêntrica do prazer, ditada pelo pensamento.

Esse silêncio, pois, não pode ser cultivado; não pode ser alcançado por meio de nenhum sistema de meditação, de nenhum método ou fórmula. Vocês podem se sentar de pernas cruzadas, respirar de diferentes maneiras, ficar de pé apoiado sobre o dedo do pé, ou qualquer coisa que quiserem fazer, mas nunca o terão; porque esse silêncio exige profunda compreensão da vida e não fuga da vida. Exige uma sensibilidade extraordinária de todo o nosso ser — coração, espírito, corpo. Por conseguinte, a maneira de viver de vocês é de imensa importância — o que comem, tudo se tornar imensamente importante. Enquanto o individuo é escravo da sociedade, enquanto é ávido, invejoso, ambicioso, sequioso de prazer, de prestígio, de posição funcional — enquanto não está livre de tudo isso, não pode haver renovação, frescor, rejuvenescimento, silêncio, liberdade e, deste modo, não pode haver espaço para a criação.

Krishnamurti — O descobrimento do Amor


As pessoas não estão prontas para novos paradigmas

Investigando o que — pensamos — ser amor

Vivemos neste mundo num estado de relação — relações entre o homem e a mulher, entre amigos, entre nós e nossas ideias, nossas posses, etc. A vida exige relações, e estas não podem existir quando a mente está se isolando em todas as suas atividades. Observem esse “processo” em si mesmos. Quando existem atividades egocêntricas, não há relações. Não importa se estão dormindo com outra pessoa na mesma cama, ou viajando num ônibus repleto de passageiros, ou contemplando uma montanha, se a mente de vocês está toda empenhada em atividades egocêntricas, é claro que só poderá nos levar ao isolamento; portanto, não há estado de relação.

 Ora, é por causa da agitação decorrente dessa atividade egocêntrica que a maioria de nós começa a investigar o que é amor, uma vez que toda atividade egocêntrica se baseia na busca do prazer e no evitar a dor. Enquanto estivermos investigando de um centro que existe para o seu próprio prazer, será inteiramente inútil e vã a nossa investigação. Para a verdadeira investigação, precisamos estar livres da atividade egocêntrica — e isso é dificílimo. Requer grande inteligência, muita compreensão e penetração, e, por conseguinte, uma mente lúcida: uma mente que não seja sentimental nem emocional, que não se deixa arrebatar pelo entusiasmo, porém, que esteja muito clara, vigilante, sensível a tudo o que a rodeia. Só essa mente pode começar a investigar o que chamamos “amor”.

Ora, que é o amor para a maioria de nós, que é ele realmente, e não como gostaríamos que fosse? O que gostaríamos que fosse o amor é uma mera ideia, um conceito, uma fórmula e, consequentemente, uma coisa sem validade alguma. Devemos começar com o que é, e não como que deveria ser. Devemos começar com o fato, e não com opiniões e conclusões. Conclusões, opiniões, fórmulas, são absolutamente desorientadoras e destrutivas. Uma maravilhosa utopia, concebida ou formulada por alguns espíritos engenhosos, sagazes, poderá deformar e destruir as vidas de milhares e milhões de indivíduos, porque de boa mente estarão dispostos a matar ou se deixarão matar em defesa dessa ideia. E a mesma coisa fazemos, interiormente, com nós mesmos. Temos uma fórmula, um sentimento, uma crença em que, para amar, devemos ser isto ou aquilo, e torturamos as nossas vidas, vivemos em agonia, porque queremos ajustar o fato — o que somos — ao ideal — o que deveríamos ser que é pura ilusão, mera invenção da mente e, portanto, sem nenhuma realidade.

Assim, vamos agora investigar, não partindo do que deveríamos ser, porém, do que é. Que é realmente o nosso amor? Nele, há prazer, dor, ansiedade, ciúme, apego, ânsia de posse, de domínio, e o medo de perdermos o que possuímos. Há o amor existente nas relações entre duas pessoas, e há o amor a uma ideia ou fórmula, quer relativa à pátria, quer a uma utopia ou Deus. Mas, falando a respeito de amor, só estamos nos referindo ao amor existente nas relações, e não àquela coisa venenosa chamada “amor à pátria”, a esse nacionalismo patriótico tão explorado pelo político e o sacerdote. Referimo-nos ao fato — ao amor realmente existente entre os entes humanos. Neste amor há dor, há tortura da incerteza, o ciúme, o medo da solidão e, por conseguinte, a ânsia de possuir, de dominar, prender. Tudo isso são fatos, não? Por essa razão, há o casamento legal, instituído pela sociedade para a proteção da prole. Mas a família, como unidade, está oposta a cada uma das outras “unidades” ou famílias. “Minha família” está em competição com todas as outras famílias do mundo. E no seio da própria família trava-se uma batalha incessante: o desejo de possuir, dominar, e daí, o medo, o ciúme, a ansiedade, sobre se somos amados ou se não somos amados, etc. É isso o que chamamos “amor”. E, embora a pessoa deva ter família, procura de várias maneiras fugir daquelas torturas: por meio de atividades sociais, ou tornando-se fanaticamente religiosa e ingressando em alguma pequena e insossa organização em que se cultiva a crença numa dada fórmula a respeito de Deus, de Jesus, de Buda, etc. Ou, ainda, interpretando as relações de família como algo muito superficial, uma passageira carga que teremos de suportar, e, por conseguinte, nos determinamos a leva-la até o fim.

Isso é o que chamamos “amor”. Ao nos tornarmos insatisfeitos com o chamado amor à família, passamos ao amor a Deus, o amor à humanidade, ou o amor ao próximo. Não sabemos realmente o que é o amor ao próximo. Não sabemos realmente o que é o amor, mas amamos a Deus, amamos ao próximo — pelo menos o dizemos. E ao mesmo tempo estamos destruindo o nosso semelhante com impiedosa ambição, por meio de astutas práticas comerciais e de todas as formas de competição existentes na moderna sociedade. Há também o chamado amor dos pais aos filhos — e vocês bem conhecem a verdadeira estrutura, as torturas desse jogo em que predomina o instinto de posse.

Agora, se somos sensíveis, vigilantes, se sentimos e observamos, sabemos de tudo isso. Disso estamos íntima e dolorosamente cônscios e, por essa razão, perguntamos se é possível um indivíduo ter vida de família, viver com sua mulher ou marido, com seus filhos, livre dessa tortura. Se é capaz disso, o indivíduo começa, então, talvez, a descobrir o que é o amor. O amor, com efeito, exige que vejamos a realidade de nossa vida cotidiana, não é verdade? Os insignificantes e diários incidentes correntes na família, no emprego, no ônibus, no carro, na estrada; o desrespeito que sentimos pelos outros — cientes que estamos de todas essas torturas, existe a possibilidade de colocarmos tudo isso de lado, realmente e não apenas teoricamente? É possível não termos apego, não querermos possuir, dominar ou ser dominados? Se seu marido ou esposa deseja ir para a companhia de outrem, há possibilidade de você não sentir ciúme, ódio, antagonismo? Por certo, só então se tornará possível a vinda desse algo desconhecido.

O amor que temos é o conhecido, com todos os seus sofrimentos e sua confusão; nele, há a tortura do ciúme, os horrores e penas de violência, o prazer sexual. É só isso que conhecemos, e não temos vontade de enfrentar esse fato inegável.

Como sabem, podemos viver com a beleza daquelas montanhas, e a ela nos habituarmos inteiramente. Ao fim de uma semana ou de dez dias, já não a notaremos sequer. Tornaremos nos como os aldeões, que não olham para as montanhas nem por um segundo, de tal maneira que se acostumaram com elas. Acostumamo-nos com a beleza, assim como nos acostumanos com a feiura; o importante não é a beleza nem a feiura, porém o fato de nos habituarmos com qualquer coisa. Acostumamo-nos com nossa vida, nossas torturas, nossas tribulações, nosso banal ambiente doméstico, com toda a feiura de nossa mente estreita vulgar. Não queremos ver mais longe, romper as cadeias desta confusão, descobrir e, assim, nos acostumamos com tudo. E, quando nos acostumamos com qualquer coisa que seja — beleza, tortura, ansiedade, feiura — nossa mente se torna embotada, insensível, desatenta, e, nesse estado, começa a ocupar-se com coisas de todo o gênero: Deus, religião, entretenimento, trabalho social, tagarelice, acumulação de conhecimentos, ou televisão.

O importante, pois, é estarmos conscientes dos fatos de nossa vida, de suas torturas, da ânsia de posse e de domínio, do conflito, das constantes correções, críticas, exigências — que vivamos com tudo isso sem nos acostumarmos; que de tudo isso estejamos cientes em vez de simplesmente o aceitarmos. Não quero dizer que devamos suportar essas coisas, nos abraçarmos com elas, porém, sim, que cumpre olhá-las e nunca evitá-las, nunca fugir delas. Devemos encarar os fatos de nossas relações diárias sem apresentar as razões de como devem ser as coisas. Considerar os fatos da vida dessa maneira requer muita energia, e essa energia só a temos quando não estamos fugindo desses fatos, por meio de crença, de explicações, da busca de sua causa, ou de outro modo. Se estamos completamente conscientes do que é, ou seja, se percebemos todas as suas complicações e sutilezas, se nos familiarizamos com o conhecido em todos os seus aspectos, então, talvez, teremos a possibilidade de nos libertarmos dele.
(...) Ora, que é isso a que estamos apegados tão desesperadamente? É, evidentemente, a memória das coisas passadas. Mas não é horrível percebermos que estamos apegados a algo já passado, ido, acabado, morto? É só isso o que conhecemos e por isso lhe estamos apegados. Estamos apegados ao conhecido.(...) O que tememos, pois, é perder o conhecido, ou seja o passado — o passado, que travessando o presente, cria o futuro; a isso é que estamos apegados.

Ora, quando nos apegamos a uma coisa passada, nossa mente, nosso coração, nosso ser inteiro, já estão mortos. Ainda que se trate de um profundo deleite, um intenso prazer, se a isso nos apegamos, nossa mente se torna uma coisa pequenina e feia, incapaz de viver realmente. Assim é nossa vida.  


(...) A maioria de nós não sabe o que é o amor. Conhecemos a dor e o prazer de amar, mas não vemos o fato que é o amor como vemos o fato que é uma montanha; desse modo, o amor é, para nós, algo desconhecido, tal como a morte. Mas, com a mente livre do conhecido apresenta-se aquilo que não se pode conhecer mediante palavras, experiência, visões, qualquer forma de expressão. Se não conhecemos o amor, se não conhecemos a extraordinária plenitude e riqueza da morte, jamais saberemos o que é viver sem tortura, sem ansiedade, sem as aflições de cada dia. 

Krishnamurti — O descobrimento do amor

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill