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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ilusão e Inteligência

  1. ILUSÃO E INTELIGÊNCIA

Rimpoche: Senhor, quando o observador observa, é a matriz do pensamento e da memória. Na medida em que o observador observa por essa matriz, não lhe é possível ver sem nomear, já que o nomear surge dessa matriz. Como poderá o observador se libertar dessa matriz?

Krishnamurti: Gostaria de saber se vamos analisar este ponto como um problema teórico, como uma abstração ou se, pelo contrário, o vamos encarar de forma direta, sem teorias.

Jagannath Upadhyaya: Este problema se encontra diretamente vinculado à nossa vida diária.

K: Senhor, quem é o observador? Damos por certo que o observador nasce dessa matriz e que ele é a matriz. Ou é o observador o movimento global do passado? Isto é para nós um fato ou somente uma idéia? Se o observador se dá conta de que é o movimento total do passado e de que sempre está observando, aquilo que é observado jamais poderá ser exato? Creio que este é um ponto importante. Pode o observador, que não é mais que um movimento total do passado, com todos os seus condicionamentos, velhos e novos, se dar conta de que está sendo condicionado?

Achyut Patwardhan: O observador quando olha para um fato, o faz com todos seus velhos condicionamentos, samskar[1][1]. Por tal motivo, não pode ver o fato tal como é.

JU: Podemos aceitar isto?

K: Nos encontramos todos no mesmo ponto de Rimpocheji quando fez esta pergunta? O observador está fechado no passado e, na medida em que se encontra enraizado nesse passado, é capaz de ver a verdade de um fato? Se não se dá conta de que é um observador condicionado, se produzirá uma contradição entre ele e o observado, e a contradição significa divisão.

AP: Na medida em que não veja isto claramente, haverá conflito no ato de ver.

K: Senhor, surge então a pergunta: é possível para o observador compreender-se a si mesmo, descobrir suas limitações e condicionamentos e, desta maneira, não interferir na observação?

RMP: Esse é o problema básico. Sempre que tentamos observar, o observador está interferindo na observação. Gostaria de saber se há um método para colocar fim a esse “eu” que está interferindo.

K: O observador é a prática, o sistema, o método. Devido a ser o resultado de todas as práticas passadas, de todos os métodos, experiências, conhecimentos, rotinas e processos mecânicos de repetição, ele é o passado. Por conseguinte, se você introduz um novo sistema, método ou prática isso acabará no mesmo campo.

RMP: Que se pode fazer então?

K: Estamos chegando a esse ponto. Porém, vejamos primeiro, o que estamos fazendo. Se aceitamos um método, a um sistema, sua pratica tornará o observador mais mecânico. Qualquer sistema servirá tão somente para reforçar ao observador.

JU: Então estamos num ponto morto.

K: Não, ao contrário. Por isso pergunto se o observador se dá conta de que ele é o resultado de toda experiência, do passado e do presente. Nessa experiência se incluem métodos, sistemas, práticas e as diversas formas de sadhana[2][2]. E você pergunta agora se, todavia existem novos sistemas, métodos e práticas, o que demonstra que continua na mesma direção.

JU: Creio que não somente é possível recusar por completo o passado, mas sim também o presente. O passado pode ser anulado mediante a observação, porém a força do presente não desaparecerá a menos que o passado seja anulado. Um sempre está relacionado com o momento presente.

AP: Na realidade, presente e passado não são mais que um, não se acham separados.

JU: Portanto deveríamos anular o presente. Quando isto acontecer acabarão eliminadas as raízes do passado.

AP: Você entende por presente, este momento presente de observação?

K: Este momento presente em observação é a observação de todo o movimento do passado. Qual é a ação necessária que põe fim a esse movimento? É essa a pergunta?

JU: O que eu estou dizendo é que o passado se apóia neste momento, e também é nele onde construímos o edifício do futuro. Portanto, para se libertar tanto do passado como do futuro, é necessário romper o momento no presente, a fim de que o passado não tenha lugar onde se apoiar, nem o futuro possua um ponto pelo qual se projete. Isto é possível?

K: Pode terminar esse movimento do passado que gera o presente, que vai se modificando na medida em que se move, e que se converte no futuro?

JU: Mediante ao processo de observação negamos o passado. Ao fazê-lo, também negamos o presente; e deixamos de construir o futuro que se baseia nos desejos criados pelo passado. Somente permanece a observação. Inclusive, esse momento de observação é um momento. A menos que o rompemos não seremos livres da possibilidade do surgimento do passado e da criação de futuro. Portanto é necessário que o momento presente, o momento da observação seja rompido.

K: Você está dizendo, Senhor, que no estado de presente atenção, no agora, termina o passado, porém que essa mesma observação, que dá fim ao passado, possui suas próprias raízes?

JU: Não digo isso. Eu não aceito o fato de que o passado gere o presente e este por sua vez o futuro. No processo de observação, tanto a história do passado como a do futuro ficam soltas. Porém, o problema é que estas histórias confluem neste momento. A menos que este momento seja negado, tanto o passado como o futuro atuaram novamente. Para simplificar, gostaria denominar “existência” ao momento “em que se está”. Tem-se, pois, que romper este momento e, conseqüentemente, haverá que se romper também todas as demais tendências que já se refletem do passado ou projetam o futuro. Isso é possível?

K: Esta pergunta possui para você uma importância capital e quero compreendê-la bem antes de contestá-la. Vou formulá-la sem lhe dar contestação: O passado é movimento, que acaba detido com a atenção. Ao dar por concluído o passado, pode desaparecer esse segundo, esse momento, esse mesmo acontecimento?

JU: Eu gostaria de clarificar mais: este momento é um momento “existente”.

K: Enquanto você utiliza a palavra “existência”, esta possui uma conotação. Devemos ver isto muito cuidadosamente.

Pupul Jayakar: Não é estável.

JU: Eu gostaria de denominar este momento como kshana bindu[3][3], o momento do tempo. A “condição” desse momento, sua “essência” há de ser derrotada. Isso é possível? No movimento da observação não existe o passado nem a possibilidade do futuro. Eu nem sequer lhe chamaria momento de observação, porque carece de todo poder de existência. Quando não existe passado ou futuro, tampouco pode haver presente.

K: Posso fazer a pergunta de outra maneira? Sou o resultado do passado. O “eu” é a acumulação de recordações, experiência e conhecimento, o qual é passado. O “eu” é sempre ativo, é um continuo movimento. E esse movimento é tempo. Por isso, quando este movimento, como um “eu”, se enfrenta ao presente, sofre uma modificação, porém continua sendo “eu” e se projeta no futuro. Este é o movimento de nossa existência diária. E o que você pergunta é, pode esse movimento, que é o “eu”, o centro, cessar e abolir o futuro? É isso, Senhor?

JU: Sim.

K: E minha pergunta é: Pode o “eu”, que é consciência, se reconhecer como o movimento do passado; ou é o pensamento que o impõe como uma idéia, que é o passado?
 JU: Pode repetir a pergunta?

K: Eu, meu ego, o centro pelo qual opera, esta entidade autocentrada, possui milhões e milhões de anos. Constitui a pressão constante do passado, os resultados acumulados do passado. A cobiça, a inveja, o sofrimento, a ansiedade, os medos, a agonia, tudo isso é o “eu”. Esse “eu” é uma manifestação verbal, uma conclusão de palavras, ou pelo contrário, é um fato, como este microfone?

JU: Sim, é assim; ainda que não de forma absoluta; não é algo auto-evidente.

AP: Por que? De que depende?

JU: Quando digo que é assim, o afirmo somente em termos de passado ou de futuro. Sem dúvida, não é nem um nem outro. Portanto não o aceito como uma verdade transcendental. Somente o posso admitir no plano da realidade cotidiana.

AP: Porém, você está dizendo que é o criador do contexto.

JU: O “eu” é uma criação do passado. Qual é seu significado? O “eu” é a história do passado.

K: Que constitui a história do homem que tem se trabalhado, lutado, sofrido, que possui medo, que vive na dor e tudo o mais.

P. Y. Deshpande: É a história do universo, não a do “eu”.

K: É o “eu”. Não pretendamos criar que é a do universo.

JU: O “eu” é história, que pode ser fechada mediante a observação.

AP: Ele disse que estes fatos não se encontram relacionados com o centro como observador.

K: A existência carece de auto-existência. É uma declaração descritiva ao observar, não é um fato.

JU: É história, nada tem que ver com a observação.

PJ: Ele disse: “eu sou isto, eu sou aquilo, sou história”. É uma declaração descritiva. O observar, não possui existência.

K: Vamos com calma. O “eu” é o movimento do passado, a história da humanidade, a história do homem. E tal história é o “eu”. Se expressa a si mesmo sempre em relação com os outros. Portanto, nas relações com minha mulher, meu marido, meus filhos, meus amigos, está operando o passado com suas imagens; por isso está fragmentando minhas relações com os demais.

JU: Isso acontece quando não há atenção. Com a atenção o momento acabará rompido e com ele todas as relações.

PYD: No momento de atenção tudo acaba dissolvido.

K: Você está dizendo que nesse ponto de atenção tudo desaparece. Porém, desaparece também na relação com minha esposa?

JU: Não. Essa não é minha experiência. Eu não tenho história, não tenho criado nenhuma história. A história é independente do “eu”.

AP: Ele disse que é produto da história e que tem aceitado essa identidade.

K: Porém, se você é produto da história, é também o resultado do passado; e esse passado interfere na sua relação com os demais. E minha relação com os outros produz conflito. Portanto, minha pergunta é: pode se colocar fim a esse conflito agora?

JU: Sim. Finalizará porque foi rompido o momento.

PJ: Concluirá no instante de atenção e com ele se dará fim a totalidade do passado.

Radha Burnier: Isso é absolutamente teórico.

JU: Estou falando de experiência. A atenção é uma experiência, uma experiência especial que nega o passado.

AP: A atenção não pode ser uma experiência, porque então seria algo imaginário. É parte do passado porque existe um observador separado do observado e, desta maneira não há atenção.

K: Esta é a razão pela qual, no principio, fiz a pergunta se estamos discutindo teorias ou fatos cotidianos. Rimpocheji, creio que sua pergunta inicial consistia em saber se essa história, esse movimento passado que está continuamente pressionando nossas mentes, nossos cérebros e relações, pode concluir de maneira que não impeça a pura observação. O sofrimento, o medo, o prazer, a dor a ansiedade que constituem a história humana, podem encerrar neste instante, de maneira que o passado não interfira ou impeça a observação pura?

RMP: Sim, essa foi a pergunta inicial.

K: Se entendi corretamente, você perguntou se existe uma forma de meditação, um método ou sistema que faça concluir o passado?

RMP: Sempre que tratamos de observar o passado, este interfere. Nesse momento, a observação se converte em algo inútil. Isto é o que dita minha própria experiência.

K: Certamente, obviamente.
 RMP: Então, como se pode observar sem que interfira o observador?

K: Qual é a qualidade ou a natureza do observador? Quando você disse que o observador é todo o passado, ele é consciente de si mesmo como passado?

RMP: Eu creio que não.

K: Não, não é consciente.

RB: Ou quem sabe o seja parcialmente?

RMP: Não. No momento da observação não é consciente do passado.

K: De momento não estamos observando; nos limitamos a examinar o observador. Nos perguntamos se o observador pode ser consciente de si mesmo.

RMP: Você quer dizer no momento da observação?

K: Não, não nesse momento; duvidemos da observação. O que estou perguntando é se o observador pode se conhecer a si mesmo.

RMP: Sim. Ele pode entender o passado e também seu condicionamento.

K: Pode entender seu condicionamento como observaria a um estranho, ou está alerta de si mesmo como ser condicionado? Você vê a diferença, Senhor?

RMP: Não está claro se a observação feita pela mente humana é dual ou se é ela mesma. É dual a consciência de si mesmo?

K: Não sei nada a respeito de dualidade. Não quero utilizar palavras que não compreendemos. Para simplificar a questão: Pode o pensamento ser consciente de si mesmo?

RMP: Não.

RB: Isso é o mesmo que dizer, se pode ser consciente da inveja, da ira, etc. como alguém distinto de si mesmo?

K: Me dou conta de que estou furioso? Há consciência da ira no momento em que surge? Certamente, há. Eu posso ver o despertar da inveja. Vejo um belo tapete e surge a inveja, surge a cobiça dele. Agora bem, nesse conhecer, é o pensamento consciente de que há inveja ou a inveja mesma é consciente? Sou invejoso e conheço o significado da palavra “inveja”. Conheço a reação e o sentimento. Esse sentimento é a palavra? A palavra é que cria o sentimento? Se a palavra “inveja” não existisse, haveria inveja? Portanto, há uma observação da inveja, o sentimento sem a palavra? Não o sabemos exatamente, porém, existe algo ao que posteriormente colocamos nome?
 PJ: O nomear é que cria o sentimento?
 K: Isso é o que estou dizendo. A palavra tem se convertido em algo mais importante. Você pode liberar a palavra do sentimento ou é essa palavra que cria o sentimento? Vejo o tapete. Há percepção, sensação, contato e pensamento, como a imagem de possuí-lo; e então surge o desejo. E a imagem criada pelo pensamento é a palavra. Portanto, é possível observar esse tapete sem a palavra, o que quer dizer que não há interferência do pensamento?

P: Observar um tapete, um objeto externo... Pode ser visto sem interferência.

K: Então, é possível observar sem a palavra, sem o passado, sem a recordação das invejas anteriores?

RMP: É difícil.

K: Senhor, se me permite assinar, não se trata de difícil. Porém, primeiro esclareçamos o seguinte: a palavra não é a coisa; a descrição não é o descrito. Sem dúvida, para a maioria de nós a palavra tem se convertido em algo tremendamente importante. Para nós, a palavra é pensamento. Sem a palavra, existe “pensamento”, tal e como normalmente o se compreende? A palavra influencia nosso pensamento, a linguagem o modela, de maneira que nosso pensamento existe com a palavra, com o símbolo, com a imagem, etc. E agora perguntamos, você pode observar esse sentimento que temos verbalizado como inveja, sem a palavra, o que significa sem a recordação de invejas passadas?

RMP: Esse é o ponto em que nos encontramos. Tão pronto como começa a observação, o passado, como pensamento, interfere sempre. Podemos observar sem a interferência do pensamento?

K: Eu digo redondamente que sim.

JU: A chave consiste em ver que o caminhante não é diferente do caminhar. O mesmo caminhar é o caminhante.

K: É uma teoria?

JU: Não, não é. De outra maneira não seria possível manter um diálogo.

K: Isso é assim na vida cotidiana?

JU: Sim. Quando nos sentamos aqui é somente nesse nível de relação. Estamos aqui para ver o fato do “que é”. Separamos o ator de sua ação. Então, se converte em história. Quando compreendermos que, através da observação, o ator e sua ação são um, então teremos rompido a história, que é passado.

AP: Temos definitivamente claro que não existe distinção entre a relação e o fato de se relacionar?

JU: O tornarei claro. Há um carro que está carregado, onde se apóia e descansa toda a carga que possui? Descansa sobre aquele ponto da roda que faz contato com o solo. É sobre esse ponto preciso sobre o que se apóia toda a carga. A vida é um ponto e é nele que se apóia a história como passado e futuro. Quando mantenho esse momento presente existente no campo da observação, se rompe. Portanto, o carro e sua carga se rompem.

AP: Quando você disse que se rompem, essa atenção é uma experiência sua? Se o que disse é um fato, a pergunta que fez Rimpoche deveria ser contestada. Se não for contestada, tudo quanto foi dito é teoria.

RMP: Isso não responde a minha pergunta.

K: Senhor, sua primeira pergunta foi: pode o passado terminar? É uma pergunta muito sensível porque toda nossa vida é o passado. É a história de toda a humanidade, a dimensão imensa, a profundidade, o volume do passado. E estamos nos fazendo uma pergunta muito simples e, por sua vez, muito complexa: Pode finalizar essa vasta história, cujo corrente lembra a de um imenso e caudaloso rio? Antes de tudo, reconhecemos seu imenso volume, não as palavras, mas sim seu volume real? Ou, pelo contrário, é simplesmente a teoria de que tudo isso constitui o passado? Compreende minha pergunta, Senhor? Reconhece o grande peso do passado? Surge então a pergunta, qual é o valor desse passado? Quer dizer, qual é o valor do conhecimento?

RMP: É o ponto de realização.

AP: A realização real é impossível porque nesse ponto interfere o pensamento.

K: Não há realização pela interferência do pensamento. Porém, por quê? Por quê deveria interferir o pensamento quando você me pergunta: que lugar possui o conhecimento em minha vida?

RMP: Pode ter sua própria utilidade.

K: Sim, o conhecimento possui seu lugar limitado, porém, psicologicamente não o possui. Por quê o conhecimento, o passado, há de se apoderar de outro campo?

PJ: Senhor, o que você busca, com essa pergunta? Pergunto isto porque a recepção desta pergunta se encontra também no campo do conhecimento.

K: Não. É a razão pela qual estou perguntando algo muito sensível: Por quê há de interferir o conhecimento em minha relação com o outro? É a relação com o outro uma recordação? Recordação significa conhecimento. Minha relação com ela ou com você se converte em recordação quando, por exemplo, penso “você me feriu”, “ela me elogiou”; portanto, “ela é minha amiga”, “você não o é”. Quando a relação se baseia na memória, na recordação, existe divisão e conflito. Portanto, não há amor. Como pode se colocar fim na relação a essa memória, a essa recordação que impede o amor?

AP: A pergunta original, com a que iniciamos a conversação, desembocou numa nova pergunta.

K: Eu a formulo agora: Qual é a função do cérebro?

RMP: Armazenar recordações.

K: E o que significa isso? Registrar como um gravador. Por quê deve gravar o que não é estritamente necessário? Eu tenho que recordar onde vivo e como devo conduzir um automóvel. Devo deixar gravado o que possui uma utilidade; porém, por quê devo registrar também o insulto dela ou o seu agrado? É esse registro o que constitui a história do passado: o agrado, o insulto. Pergunto: pode isso ser detido?

RMP: Se estou pensando, é muito difícil...

K: Vou lhe mostrar que não o é.

RMP: Senhor, você pergunta por quê não se registra somente o que é necessário; porém, o cérebro não sabe o que é necessário. Esse é o motivo pelo qual registra tudo.

K: Não, não.

RMP: O registrar é involuntário.

K: Certamente.

RMP: Então, como podemos fazê-lo somente com o que é necessário?

K: Por quê se converteu em algo involuntário? Qual é a natureza do cérebro? Necessita segurança ‑ segurança física - pois de outro modo não pode funcionar. Há de ter alimento, roupa e abrigo. Existe por acaso outra forma de segurança? Sem dúvida, o pensamento tem inventado outras: sou hindu e tenho meus próprios deuses. O pensamento tem criado a ilusão e nela o cérebro busca refúgio, segurança. Porém, o pensamento se dá conta de que a criação desses deuses, etc., é uma ilusão e, portanto, os afasta, de forma que não tenha que ir a uma determinada igreja, nem realizar rituais religiosos, já que todos são produtos do pensamento, nos quais o cérebro tem encontrado certo tipo de segurança ilusória?

JU: O momento de autoproteção é também passado. O romper com esse hábito de autoproteção é também um ponto, e é nesse ponto que descansa toda a existência. Esse atma[4][4] que é samskriti[5][5] tem de ser negado também. É a única saída.

K: Para a sobrevivência, a sobrevivência física, não só a sua e a minha, mas sim a de toda a humanidade, por quê nos dividimos em hindus e muçulmanos, em comunistas, socialistas ou católicos?

RMP: Isso é a criação do pensamento, que é ilusória.

K: Sem dúvida nos agarramos a ela. Você se considera hindu, por quê?

RMP: É por sobrevivência, um reflexo de sobrevivência.

K: É sobrevivência?

AP: Não o é, porque é o inimigo dessa sobrevivência.

PJ: Em certo nível podemos nos entender, porém, isso não coloca fim ao processo.

K: Porque não usamos nosso cérebro para descobri-lo, para dizer que isto é assim: tenho que sobreviver.

PJ: Você disse que o cérebro é como um gravador que registra. O cérebro possui outras funções, outras qualidades?

K: Sim, a inteligência.

PJ: Como conseguir despertá-la?

K: Olhe, eu me dou conta de que não há segurança no nacionalismo e, portanto, permaneço fora: já não sigo sendo hindu. Vejo que tampouco há segurança no fato de pertencer a uma determinada religião, e por isso não pertenço a nenhuma. Que significa isso? Observo como as nações lutam entre si, as comunidades lutam entre si, as religiões lutam entre si, observo essa estupidez e a própria observação desperta a inteligência. Ver aquilo que é falso é o despertar da inteligência.

PJ: O que é esse ver?

K: Ao observar como Inglaterra, França, Alemanha, Rússia ou Estados Unidos se lançam uns contra os outros, vejo o quanto estúpido que é. Ver a estupidez é inteligência.

RB: Você quer dizer que na medida em que se vê isto, esse registro desnecessário chega a seu fim?

K: Sim. Já não sigo sendo um nacionalista. É uma coisa extraordinária.

Sunanda Patwardhan: Você quer dizer que enquanto deixo de ser nacionalista, se desfaz  todo registro desnecessário?

K: Sim, no que diz respeito ao nacionalismo.

RB: Você quer dizer que quando alguém observa que a segurança ou a sobrevivência é absolutamente um mínimo e elimina tudo o demais, cessa o registro?

K: Certamente, naturalmente.

JU: Uma canção foi concluída e outra se inicia; a nova foi registrada sobre a velha. Essa música velha e destrutiva foi anulada e a nova melodia, boa e harmoniosa, toma seu lugar. É esse o futuro da humanidade?

K: Não, olhe, isso é teoria. Você deixou de ser budista?

JU: Não sei.  O passado, como história, tem formado a imagem em meu cérebro. Minha condição de ser budista é o passado, um passado histórico.

K: Pois dizê-lo; é mesmo, ver a ilusão de ser budista.

JU: Isso é correto.

K: Ver a ilusão é o inicio da inteligência.

JU: Porém, quiséramos ver que quando uma coisa se destrói, outra não a recomeça.

K: Podemos abordá-lo de maneira diferente? Nos achamos rodeados de coisas ilusórias e falsas. Devemos ir observando-as uma por uma, passo a passo, ou, pelo contrário, podemos observar essa ilusão em sua totalidade e assim colocá-la fim? É possível ver o movimento completo da ilusão, o movimento do pensamento que cria a ilusão, e dessa maneira concluí-lo?

JU: É possível.

K: Isso é uma teoria? Porque a partir do momento em que entrarmos em teorias, nada terá sentido.

JU: Só é possível se pudermos romper o processo de autoproteção. A forma deste processo pode sofrer uma transformação, porém, ele em si mesmo não será concluído. Inclusive é uma ilusão crer que algo possui existência. Milhares de tais ilusões se destroem e outras tantas novas surgem. Isso não é sadhana[6][6], acontece continuamente. Até o momento temos estado falando das ilusões mais grosseiras; certamente essas se rompem. Porém, uma nova imagem está sempre se formando a si mesma, e criando suas próprias estruturas mentais.

AP: O que ele disse é que esse processo de negação dá lugar a ilusões novas e mais sutis.

K: Não. Por ser limitado o pensamento, tudo quanto ele cria ‑ deuses, conhecimentos, experiências, etc. - é limitado. Você vê a limitação do pensamento e de sua atividade? Se for assim, ele termina, não há mais ilusão.

RMP: Este ponto, este pensamento, volta a surgir.

K: Senhor, por isso tenho dito, que o pensamento precisa encontrar seu próprio lugar, que é somente o do prático, sem ocupar nenhum outro, pois se ocupa algum outro lugar é uma ilusão. O pensamento não é amor. Existe o amor? Você está de acordo de que o pensamento é limitado, porém, você ama as pessoas? Não quero teorias. O que é o fundamental de tudo isto? O que é o fundamental de todo esse conhecimento, Gita, Upanishades ou o que quer que seja? Estamos nos entendendo ou seguimos somente no nível do verbal?

RMP: Não, não estamos nesse nível.

K: Quando descobrimos as limitações do pensamento, se produz o florescimento de algo. Está acontecendo, isso está tendo lugar realmente?

RMP: Agora posso reconhecer de forma mais profunda as limitações do pensamento.

Benares, 13 de novembro de 1978.



[1][1] Samskar: impressões mentais do passado.
[2][2] Sadhana: Disciplina espiritual.
[3][3] Kshana bindu: Ponto do que nascem todos os espaços.
[4][4] Atma: O espírito, a parte mais abstrata da natureza humana.
[5][5] Samskriti: Cultura, civilização. Aquilo que tem origem.
[6][6] Sadhana: Prática espiritual.

Do livro: O caminho da inteligência
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill