Quando, numa noite pré-histórica não escrita, o ser pensante ergueu a cabeça pela primeira vez e contemplou no alto a imensidade ilimitada do céu coalhado de estrelas, seu primeiro pensamento não havia de ter sido outro senão o primeiro pensamento que penetra na mente do homem de nosso século vinte, ao contemplar a abóbada sob a qual ele vive e se move, amofina-se e galanteia.
“Qual é o significado disso?”
A dificuldade em achar-se a resposta a esta pergunta é tanta e tão profunda que ainda hoje o nossos maiores cientistas devem inclinar suas cabeças, em humilde ignorância, pois todas as suas vitórias em conhecimentos pouco mais fizeram até agora do que roçar a superfície deste problema.
As profundeza de tal problema seriam inescrutáveis, se dependêssemos apenas do intelecto humano. Jamais podem ser sondadas sem a ajuda de revelação superior.
Em consequência, fiz uma ampla pesquisa. Meus estudos abrangeram livros empilhados nas prateleiras de pequenas bibliotecas; incluíram conversações íntimas e prolongadas discussões com os mestres do conhecimento do Oriente, e finalmente estudei com os melhores de todo os tutores: as experiências pessoais de primeira mão. Finalmente, os fados me colocaram os pés em estranhas viagens a terras cujas esbeltas palmeiras me chamaram com suas esticadas folhas e me convidaram, como a todos os homens convidam, para atar de novo os vínculos que submetem a Deus a relutante alma humana. Poucos ocidentais tiveram o tempo e o treinamento, a vontade e o dinheiro, que requerem estas pesquisas; e assim eu procurei fazer para eles o que eles não puderam fazer para si mesmos; procurei recuperar da obscuridade de épocas desvanecidas alguns segredos que o mundo hoje necessita. Repetidamente eu permaneci sob os céus orientais completamente marchetado de estrelas ou quando caminhava sozinho solitário em meio silêncio misterioso das florestas ameaçadoras, e era assaltado por um ultrapotente sentimento do estranho paradoxo da vida humana. Eu seguia uma única trilha no estudo dos hábitos e sabedoria do Oriente, e ainda mais ao procurar equacionar em bases científicas as misteriosas façanhas e doutrinas dos iogues e faquires.
Meus assentamentos de aventuras espirituais sob aqueles ardentes sóis orientais foram transladados em forma literária. Procurei revelar ao homem comum quão profundas fontes espirituais e quão deslumbrantes poderes psicológicos podem encontrar-se em seu interior, ainda que tivesse sido compelido a reservar para mais tarde a inscrição de minhas divinas experiências e os meus melhores pensamentos. Minha reticência neste ponto é devida às limitações da sociedade que me circunda, da civilização em que nasci. Queria dirigir-me ao homem de experiências rotineiras, ainda que as minhas houvessem sido extraordinárias. Quando o vi, em minhas andanças pelo mundo, notei que ele elaborava penosamente, por si, uma compreensão do significado da vida, que poderia ser adquirida por menor preço. Eu queria dizer-lhe isso, e persuadi-lo a dar um propósito vivo à sua vida, remover as apavorantes incertezas que são a característica predominante em nossa época. Mas, ah! Cada uma dessas veze me lembrava a pergunta do grego Sócrates a Glauco: “Pretendes dizer que podes persuadir os que não querem ouvir?”
O homem de experiências comuns encara estas filosofias abstratas, estas verdades complexas, e práticas austeras, como matérias de pouco interesse e nenhum benefício. A experiência me tem explicado, melhor do que a fala alertadora de meus Guias, por que a maioria dos videntes reserva para os poucos os seus mais recônditos segredos. Quem quer que escreva de assuntos tão extraordinários como os que escolhi para a minha pena, escreve sob grande desvantagem. Não ousa ignorar as misteriosas experiências que lhe formam a medula e o cerne; provavelmente não lhe darão crédito se as apresentar tal qual elas ocorreram; encontra a maior dificuldade em descrever ocorrências psicológicas que não tem significação para os intelectos meramente materialistas. E com referência ao supremo atingimento, parece às vezes um empreendimento desesperador tentar alguém desvelar um estado inefável e inatingível do ser por meio de palavras e frases frias, pois metade desta experiência altamente iridescente* desaparece entre o cérebro e o papel durante a descrição.
Por fim, se ele for prudente, terminará por escrever para uns poucos. Depois, se os demais começarem a compreender e a acolher, ele poderá contentar-se; se ocorrer o contrário, que nuca se desaponte. Mas os números não importam. Não interessam pessoas inertes. São apenas a humanidade a granel. Sempre em toda a parte, tudo o que é valioso é feito e descoberto pelos poucos. “Ela acreditou em mim quando ninguém mais queria acreditar”, disse Maomé de sua esposa Kadijah. Durante três anos ele encontrou apenas treze seguidores. Todavia, sua doutrina se espalhou depois entre milhões. Estas ideias são novas apenas para o Ocidente moderno, pois no antigo Oriente eram ensinadas e compreendidas há milhares de anos.
O destino decidiu que a resposta aos meus livros fosse marcadamente encorajadora. Bem compreendido, isto não é uma mensagem destinada só aos poucos; seus benefícios não se destinam apenas aos iogues e santos; destinam-se a todos nós, a quem quer que queira ser o que Deus pretendeu que ele fosse.
Muito se engana quem quer que imagine que estas páginas lhe ofereçam meras abstrações e ideias faltas de valor prático. Em resposta, só posso dizer que elas tratam realmente de coisas que são vitais para os seres humanos, porque são fundamentais para a vida. Convenientemente compreendidas, estas “abstrações” ajudarão os homens a viver com mais sucesso. Descobri que elas imprimem mais força em minha própria vontade, orientação em minha mente, paz em meu coração, e veracidade em minha alma. E se algumas coisas parecem ser realmente sutis, deve defender-me respondendo que em minha tentativa de dar explicações de estados d ser comumente inarticulados, fiz o melhor possível. E quem quer que se esforce para traduzir em ações as ideias desta técnica psicológica, encontrará o prêmio numa existência equilibrada, paz interna e energia espiritual.
Assim, fui sendo forçado, pouco a pouco, a percorrer um caminho que antes nunca intentara trilhar: o caminho de escrever contos para minhas próprias obras e de explicar minhas próprias explicações. Em suma, inconscientemente me tornei cada vez mais tutor e cada vez menos um buscador. E conquanto ainda me atenha estritamente à minha fixada atitude de completa independência, reclamando absoluta liberdade de todos os que cruzaram meu caminho e prazerosamente lhes concedendo a mesma liberdade que lhes solicito, recusando-me a aceitar qualquer pedestal ou posição de seguidor, de organização ou culto, não obstante jamais pude resistir a numerosas solicitações que me chegaram pedindo mais esclarecimentos. E assim acudi ao chamado que me induziu a juntar estas páginas a uma vida bastante ocupada. Devo tornar claro que não me arvoro em instrutor, que não faço nenhuma exigência pessoal quanto ao meu próprio estado espiritual, e que apenas escrevo para proporcionar amistosamente a informação e auxílio que eu puder, como qualquer caminhante poderia tê-lo feito.
Não desejo convencer outros, mas simplesmente irradiar o que de verdadeiro encontrei; aos outros cabe apanhá-lo ou não, segundo o desejarem. Devem vir a mim por sua livre vontade, e não porque eu deseje proceder como um missionário para com eles. Não procuro converter, muito menos compelir, mas mostrar aos outros o que eles, também, podem encontrar dentro de si mesmos. Francamente, não me tornei consciente de possuir qualquer missão para este mundo, mas a única que eu cuidaria de empreender, houvessem os deuses me outorgado tal habilidade, seria a de tornar os homens perceptivos do valor de sua própria alma. Ademais, esta liberdade pessoal não deixa de ter um peculiar valor intrínseco. Por ser independente de todas as sujeições e por não obedecer a nenhuma autoridade que não seja o meu próprio monitor interno, eu posso livremente dar-me ao luxo de expor verdades que no passado foram egoisticamente veladas ou insensatamente distorcidas. Quero que minhas verdades doam. Quero que elas sejam ousadas, não por minha causa somente, mas também pela de meus leitores. Quero alimentar minha pena com destemidos pensamentos, que roçarão a pele dos apáticos de pensamento. Não me interessa agradar uma classe particular, uma seita especial, ou qualquer grupo auto-admirador. Nada significa para mim a aprovação destas pessoas.
Paul Brunton — A Realidade Interna — Ed. Pensamento
* Que reflete as cores do arco-íris