Os opostos são apenas o jogo recíproco de relações.
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O incessante esforço de vocês para se ajustarem entre os opostos é a causa do conflito, porém, a libertação é a libertação dos opostos.
A luta e a aflição vêm à existência quando o "eu", pela emoção, pelo pensamento, cria a divisão dos opostos. A plenitude existe em todos, visto que esteja colhida pelo eu-consciência de vocês, por vocês mesmos criado. Na liberdade do eu-consciência, isto é, o ego existir, tem de haver esforço e por conseguinte tristeza.
Quando se libertarem dos opostos, dos extremos, a harmonia virá à existência. Isto é libertação. Isto é consumação da sabedoria; porém não poderão realizar isto, se houver um único pensamento do "meu" e do "teu", isto é, do "eu", que é separatividade.
Na realidade, na verdade, na vida não há nem separação nem unidade. A verdade é completa. Nela todos os opostos cessam de existir. A plenitude não tem aspectos, nem divisões, nem opostos. É essa plenitude que eu denomino perfeição e que existe a todos os instantes em todas as coisas, em todo o ser humano. Porém, em virtude de seu eu-consciência, o homem cria divisões entre a realidade e si próprio.
O "eu" pertence ao tempo, está sempre buscando orientação, pelos opostos, adquirindo qualidades, criando separatividades, conflitos, esforços.
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Vocês estão aprisionados no conflito, e porque não podem compreender este conflito, desejam o oposto; repouso, paz, que é um conceito intelectual. Nesse desejo criaram uma máquina intelectual e essa máquina intelectual é a religião. Ela está inteiramente divorciada de seus sentimentos e vida diária e é, por isso, simplesmente uma coisa superficial. Essa máquina intelectual pode também ser a sociedade, criada intelectualmente, uma máquina da qual vocês se tornaram escravos, e pela qual serão esmagados sem piedade. Vocês criaram essas máquinas, porque estão em conflito, porque através do medo e da ansiedade, são arrastados para o oposto àquele conflito, porque estão buscando repouso, tranquilidade.
O desejo do oposto cria o medo e desse medo surge a imitação.
Assim, vocês inventam conceitos intelectuais, tais como as religiões, com suas crenças e padrões, a sua autoridade e disciplina, os seus salvadores e mestres, para lhes conduzirem ao que desejam, que é o conforto, a segurança, a tranquilidade, a fuga desse constante conflito.
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Se forem covardes, buscam coragem, porém o medo ainda lhes perseguirá, pois que somente estarão escapando de um oposto para o outro. Ao passo que, se vocês se libertarem da causa do medo, que é o desejo; então não conhecerão, quer a coragem, quer o medo, e a maneira de operar isto, é tornar-se acautelado, vigilante, e não buscar alcançar coragem, porém, se libertar dos motivos na ação.
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Este processo, de desenvolver a coragem é realmente, uma fuga ao medo; se, porém, vocês discernirem a causa do medo, esse naturalmente, cessará. Por que vocês não são capazes de discernir diretamente? — Porque, se houver percepção direta, tem de haver ação e, para evitar a ação, vocês desenvolvem o oposto, estabelecendo-se assim uma série de fugas sutis.
Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK