Não é o tempo que lhes traz a
compreensão, mas a vigilância da mente para compreender, no presente. É
impossível estar alerta, enquanto a mente estiver anuviada pela ideia do tempo,
de crenças e ideais.
Buscarei explicar o que quero
dizer por vigilância da mente. A experiência é, afinal de contas, o modo pelo
qual, vocês respondem aos incidentes da vida. Estar alerta é ser capaz de
distinguir entre a pura ação e reações, quer sejam positivas, quer negativas. A
reação positiva brota da própria individualidade intrínseca de vocês ou egoísmo
e a reação negativa parte do exterior. Toda ação que não é pura, é reação, pois
que é oriunda da sensação, tanto a positiva como a negativa. A ação pura, livre
de toda reação, é isenta de intuito ou incentivo e desprendida do centro de
egoísmo.
Para compreender uma experiência no
presente, para colher a sua frescura, vocês devem ter a mente limpa de crenças,
de ilusões. A compreensão plena de uma experiência lhes libertará de toda a experiência,
que é tempo. Quando a mente estiver liberta de crenças e esperanças, é quando
pode estar alerta; tal mente não se coaduna, porque não tem personalidade, que
é limitação. A menos que a mente esteja livre, terá uma ideia preconcebida do
que seja a verdade, deformando a vida segundo esse ideal, tornando-se dessa
forma, incapaz de compreender o presente. Pois que a verdade não pertence a
ideia, crença ou conceito algum, todas essas coisas são simplesmente a resistência
criada pelo eu-consciência. Se, pois, vocês se amoldarem no presente com a concepção
da verdade, do futuro, estarão apenas pervertendo a vida.
Vocês podem ainda dizer: “Não devo
ter ideal, inspiração ou incentivo algum?” Direi: não. Não, porque, se o
tiverem, estarão apenas se conformando e em tal não há entendimento. Enquanto
que, se a mente de vocês se achar isenta dessas coisas, então compreenderão o
presente, o seu pleno significado. Verão então que a mente de vocês desperta
para essa inteligência, que é a verdadeira libertação de todas as ilusões da
individualidade. A crença, mesmo quando lhes faculta temporário consolo e
conforto, é apenas um sinal de decadência. A mente, quando carregada de crenças,
torna-se negligente e imitadora; não é rápida em sua adaptabilidade. Ao passo
que a mente sempre alerta, essa se renova. Não carece de estímulo do interior
nem do exterior, pois todo estímulo é somente reação. Tal mente, assim livre,
pode compreender a felicidade, a verdade.
(...)
Ao se tornarem plenamente
conscientes de vocês mesmos no presente, em pensamento, emoção e, por
conseguinte, em ação, estão se libertando do eu-consciência, que é limitação,
que é uma qualidade.
A ação da maioria se baseia no
desejo de obter algo, pelo medo ou pela ideia de recompensa no presente ou no
futuro. Enquanto a ação repousar numa causa ou incentivo, tal ação criará
futuro e, por conseguinte não haverá a compreensão do presente, que é, para
mim, a verdade. Se a ação de vocês tem por base crença, vaidade ou posse, e
disso não tiverem consciência , dela não se libertarão, não havendo compreensão.
Em tal caso há perversão do pensamento, conduzindo à estagnação, à
infelicidade. Mas se, pela inteligência, vocês procuram libertar a ação de
vocês de todo intuito, a mente de vocês se tornará desperta e, só então poderão
compreender o pleno significado de uma experiência. Deste modo, a reta ação sobrevém
doce e naturalmente, se procurarem libertar a mente de vocês do “eu” pois que a
reta ação é o pensamento e a conduta. Não busquem reta conduta que se torne um
modo de proceder estereotipado e, portanto, sem vida. Busquem antes libertar a
mente de vocês de toda limitação ou individualidade; tornem-se desprendidos – o
que não implica indiferença – e então poderão não auxiliar, mas agir
verdadeiramente. Daí emana a verdadeira atitude, o verdadeiro trabalho e a
ordem social. A verdadeira ação por si mesma, ainda que governada pelo mais
alto ideal de conduta, não dá compreensão. A compreensão só vem ao dissipar-se
o centro do eu-consciência.
(...)
Por medo, vocês tem estabelecido
salvadores, mestres, professores, e desse modo, vocês tem fechado a porta ao
pensamento individual, através do qual, somente, a verdade se realiza. Havendo
fechado a porta ao pensamento individual, vocês se tornam rudemente
individuais, neste mundo das ações.
Espiritualmente, torna-se a mente
qual um cordeiro; é porém, um animal terrível, no mundo das ações.
(...)
O que traz a sabedoria é a ação. Ação
é sabedoria. Elas não podem ser separadas. E por termos separado a ação do
nosso pensamento, das nossas emoções, da nossa capacidade intelectual de
raciocinar, somos arrastados pelas coisas superficiais e assim explorados.
(...)
A alegria de viver está na ação espontânea.
Para viverem como a flor, sem afãs, natural, intensa, plenamente no presente, não
devem deixar a mente e o coração lutar pelas aquisições que nada mais fazem que
criar a distinção entre o “eu” superior e o eu inferior.
(...)
A ação pode conduzir o indivíduo
à liberdade, de modo a realizar ele esse pleno êxtase da plenitude; ou pode
conduzir essa inação que nada mais é que cercar o indivíduo de futuras limitações.
A ação que conduz à inação baseia-se
no egoísmo; a ação que liberta baseia-se na pesquisa que destrói o medo.
Krishnamurti – O medo - 1946