Todo
partido político sabe, ou acha que sabe,
o que é bom para o povo. Mas o que é verdadeiramente bom não criará
antagonismo, seja neste país ou fora dele; trará unidade entre homem e homem; o que é verdadeiramente bom se concentrará na
totalidade do homem, e não em algum beneficio superficial que só pode levar a
maiores calamidades e infelicidades; colocará um fim na divisão e na inimizade
gerados pelo nacionalismo e pelas religiões organizadas. E o que é bom pode ser
encontrado com tanta facilidade?
“Se
tivermos de levar em consideração todas as implicações do que é bom, não
chegaremos a lugar algum; não poderemos agir. Necessidades imediatas exigem
ações imediatas, embora tais ações possam trazer confusão marginal”, replicou o
político. “Simplesmente não temos tempo de ponderar, filosofar. Alguns de nós
estão ocupados do começo da manhã até a tarde da noite, e não podemos sentar
para considerar o total significado de toda e qualquer ação que precisamos
tomar. Literalmente, não podemos arcar
com o prazer da ponderação profunda e, portanto, deixaremos este prazer a
outros.”
"Senhor
parece que o senhor sugere", disse um dos homens que até agora estava em
silêncio, "que, antes que executemos o que presumimos ser uma boa ação,
deveríamos examinar completamente o significado de tal ato, já que, mesmo
aparentemente benéfico, pode produzir maior infelicidade no futuro. Mas é possível
ter tamanha perspicácia sobre nossas próprias ações? No momento da ação, talvez
pensemos que temos essa perspicácia, porém, talvez mais tarde, venhamos a
descobrir nossa falta de visão."
No
momento da ação, mostramo-nos entusiasmados, impetuosos, somos arrebatados por
uma idéia ou pela personalidade e a chama de um líder. Todos os lideres, desde
o tirano mais brutal ao mais religioso dos políticos, afirmam que estão agindo
pelo bem da humanidade, mas todos conduzem à sepultura; ainda assim, sucumbimos
à sua influência e os seguimos. Senhor, nunca foi influenciado por um líder
assim? Talvez ele já não esteja vivo, mas o senhor ainda pensa e age de acordo
com as sanções, fórmulas e o padrão de vida dele; ou talvez influenciado por um
líder mas recente. Assim, passamos de um líder a outro, abandonando-os sempre
que nos convém ou quando surge um
melhor, com mais promessas de fazer o “bem”. Em nosso entusiasmo, arrebanhamos
outras pessoas para a teia de nossas convicções, e muitas vezes elas permanecem
nessa teia de nossas convicções, e muitas vezes elas permanecem nessa teia até
mesmo quando já passamos a outros líderes
e outras convicções. Contudo, o que é bom é livre de influência, coerção
e conveniência, e qualquer ação que não seja boa nesse sentido,
inevitavelmente, gerará confusão e infelicidade.
“Acho
que todos podemos admitir culpa de sucumbir à influência de um líder, direta ou
indiretamente”, aquiesceu aquele que falara por último, “mas nosso problema é
este: percebemos que recebemos muitos benefícios da sociedade e damos
pouquíssimo em troca, e ao vermos tanta infelicidade, por todo lado, sentimos
que temos uma responsabilidade para com a sociedade e que temos de fazer algo
para aliviar esse sofrimento interminável. Contudo, a maioria de nós se sente
bastante perdida, e por isso segue alguém de personalidade forte. Sua vida
dedicada, a evidente sinceridade, os pensamentos e as ações vitais nos
influenciam fortemente, e nos tornamos seus seguidores de várias maneiras; sob
sua influência, logo estamos envolvidos na ação, seja pela libertação do país
ou pela melhoria das condições sociais. A aceitação da autoridade está
enraizada em nós e dessa aceitação da autoridade flui a ação. O que você diz é
tão contrário a tudo a que estamos acostumados que não deixa qualquer parâmetro
a partir do qual ponderar e agir. Espero que você perceba nossa dificuldade.
Certamente,
senhor, que qualquer ação baseada na autoridade de um livro, independentemente
do quão sagrado, ou na autoridade de uma pessoa, independentemente do quão
nobre e santa, é uma ação irrefletida que, de qualquer forma, trará confusão e
dor. Neste país e em outros, o líder
extrai sua autoridade da interpretação dos chamados livros sagrados, que cita
exaustivamente, das próprias experiências, que são condicionados pelo passado,
ou de sua vida austera, também baseada no padrão da tradição dos santos. Portanto,
a vida do líder é determinada pela autoridade, assim como a vida do seguidor;
ambos são escravos do livro e da experiência ou conhecimento de outro. Com essa
bagagem, vocês desejam refazer o mundo. Isso é possível? Ou o senhor dever descartar
toda essa perspectiva autoritária e hierárquica da vida e abordar os muitos
problemas com uma mente nova e curiosa? Viver e agir não são coisas separadas,
mas um processo interligado, unitário. Entretanto, agora, vocês os separaram,
não foi? Vocês consideram a vida cotidiana, com seus pensamentos e ações,
diferente da ação que mudará o mundo.
"Novamente,
é verdade", continuou o último interlocutor. "Mas como nos livraremos
desse jugo de autoridade e tradição, que aceitamos voluntária e alegremente
desde a infância? Ele é parte de nossa tradição imemorial, e agora vem você dizer que deixemos tudo de
lado e que só podemos contar conosco. Pelo que ouvi e li, você diz que o
próprio Atman não tem permanência. Você pode ver, portanto,
por que estamos confusos".
Será
que vocês jamais questionaram o modo autoritário de existência? O próprio
questionamento da autoridade é seu fim. Não há qualquer método ou sistema por
meio do qual a mente possa libertar-se da autoridade e da tradição; se houvesse,
então o sistema se tornaria o elemento dominante.
Por que
aceitam a autoridade, no sentido mais profundo da palavra? Assim como o guru,
vocês aceitam a autoridade para ter segurança, certeza, para serem confortados,
para vencerem, para alcançarem a outra margem. Vocês e o gurus são devotos do
sucesso; ambos são movidos por ambição. Onde há ambição, não amor; e ação sem
amor não tem significado algum.
"Intelectualmente,
compreendo que o que você diz é verdade, mas internamente, emocionalmente, não
sinto autenticidade nessas palavras."
Não existe
compreensão intelectual; ou compreendemos, ou não. Dividirmo-nos em
compartimentos herméticos é outro de nossos absurdos. Melhor é admitir para nós
mesmos que não compreendemos, afirmar que existe uma compreensão intelectual só
gera arrogância e conflito autoimposto.
Krishnamurti
– Comentários sobre o viver