O pensamento é o fator comum de toda a
humanidade. Não existe um pensamento oriental ou um pensamento ocidental;
existe apenas a capacidade comum de pensar, quer sejamos completamente pobres
ou mais sofisticados, vivendo numa cidade opulenta. Quer sejamos cirurgião,
carpinteiro, trabalhador do campo ou um grande poeta, o pensamento é o fator
comum a nós todos. Parecemos não perceber que o pensamento é o fator comum que
nos liga. Vocês pensam de acordo com a própria capacidade, a própria energia, a
própria experiência e o próprio conhecimento; o outro pensa de modo diferente,
de acordo com sua experiência e o próprio conhecimento. Estamos todos presos
nessa rede do pensamento. Esse é um fato, indiscutível e real.
(...) O pensamento e tudo o que o pensamento
formou faz parte da nossa consciência — a cultura que vivemos, os valores
estéticos, as pressões econômicas, a herança nacional. (2)
(...) A nossa consciência inclui, na
consciência mais profunda, os nossos medos. O homem tem vivido com o medo,
geração após geração. Tem vivido com o prazer, com a inveja, com toda a agonia
da solidão, da depressão e da confusão, e com um grande pesar, com o que ele
chama de amor e com o perpétuo medo da morte. Tudo isso é a sua consciência que
é comum a toda a humanidade. Percebam o que isso significa: isso significa que
você não é mais um indivíduo. Isso é muito duro de aceitar, porque nós fomos
programados, como o computador, para pensar que somos indivíduos. Fomos
programados religiosamente para pensar que temos almas separadas de todos os
demais. Sendo programado, o nosso cérebro trabalha do mesmo modo há muitos
séculos. (3)
(...) Todos vocês pensam e o pensamento se
expressa por palavras ou por meio de um gesto, de um olhar, de algum movimento
corporal. Sendo as palavras comuns a cada um de nós, nós entendemos através
dessas palavras o significado do que está sendo dito. O entanto, o pensamento é
comum a toda a humanidade — é uma coisa muito extraordinária quando a
descobrimos, pois então vemos que o pensamento não é o nosso pensamento: é
pensamento. Temos que aprender a ver as coisas como elas são na realidade — não
como vocês estão programados para olhar... Podemos nos libertar de sermos
programados e olhar?... Somente se vocês não pertencem a nenhuma organização, a
nenhum grupo, a nenhuma religião ou nacionalidade em particular é que poderão
realmente observar. Se vocês acumularam um grande conhecimento, dos livros e da
experiência, as suas mentes já foram preenchidas, os seus cérebros estão
repletos de experiência, das suas tendências particulares, e assim por diante —
tudo o que lhes vai impedir de olhar. (4)
Quando vocês forem capazes de ver claramente,
sem nenhuma distorção, então vocês começarão a indagar a natureza da
consciência, inclusive das camadas mais profundas da consciência. Vocês têm de
indagar todo o movimento do pensamento, porque o pensamento é o responsável por
todo o conteúdo da consciência, tanto das camadas mais profundas quanto das
superficiais. Se vocês não possuíssem nenhum pensamento, não haveria nenhum
medo, nenhum sentido de prazer, nenhum tempo; o pensamento é o responsável. O
pensamento é o responsável pela beleza de uma catedral, mas o pensamento também
é responsável por todo contra-censo que acontece dentro da catedral. Todas as
realizações dos grandes pintores, poetas, compositores são atividades do
pensamento: o compositor, ouvindo interiormente o maravilhoso som, registra-o
no papel. Esse é o movimento do pensamento. O pensamento é responsável por
todos os deuses do mundo, todos os salvadores, todos os gurus, por toda
obediência e devoção; o todo é resultado do pensamento que procura gratificação
e evasão da solidão. O pensamento é o fator comum de toda a humanidade. O mais
pobre aldeão na Índia pensa como o diretor executivo, como o líder religioso.
Este é um fato rotineiro comum. Este é o terreno sobre o qual estão todos os
seres humanos. Não se pode escapar disso.
O pensamento fez coisas maravilhosas para
ajudar o homem, mas também provocou grande destruição e terror no mundo. Temos
de entender a natureza e o movimento do pensamento: por que vocês pensam de
certo modo; porque se apegam a certas formas de pensamento; por que se agarram
a certas experiências; por que o pensamento jamais entendeu a natureza da
morte? Temos que examinar a própria estrutura do pensamento — não o pensamento
de vocês, porque é completamente óbvio qual é o pensamento de vocês, pois vocês
foram programados. Mas, se vocês indagam seriamente o que é o pensamento, então
entrarão numa dimensão completamente diferente — não a dimensão do seu
probleminha própria e particular. Vocês têm que entender o extraordinário
movimento do pensamento, a natureza do pensar — não como um filósofo, não como
um homem religioso, não como um membro de uma determinada profissão ou como uma
dona-de-casa —, a enorme vitalidade do pensamento.
O pensamento é responsável por toda a
crueldade, pelas guerras, pelas máquinas de guerra e brutalidade da guerra,
pela matança, pelo terror, pelo lançamento das bombas, pela captura de reféns
em nome de uma causa ou sem uma causa. O pensamento também é responsável pelas
catedrais, pela beleza da sua estrutura, pelos belos poemas; também é
responsável por todo o desenvolvimento tecnológico, pelo computador, com a sua
extraordinária capacidade de aprender e ir além do pensamento do homem. O que é
pensar? É uma resposta, uma reação da memória. Se vocês não possuíssem memória
não seriam capazes de pensar. A memória está armazenada no cérebro como
conhecimento, resultado da experiência. É assim que opera o nosso cérebro.
Primeiro, experiência; experiência que pode pertencer aos primórdios do
homem, que nós herdamos; essa experiência resulta no conhecimento, que é
armazenado no cérebro; do conhecimento faz-se a memória e da memória, o
pensamento. Com o pensamento vocês agem. Com essa ação, aprendem mais. E,
assim, vocês repetem o ciclo. Experiência, conhecimento, memória, pensamento, ação;
com essa ação aprendem mais e repetem. É assim que somos programados. Estamos
sempre fazendo isso: tendo lembrado da dor, no futuro, evitamos a dor não
fazendo aquilo que causará a dor, o que se torna conhecimento, e repetimos
isso. Prazer sexual, repetimos. Esse é o movimento do pensamento. Vejam a
beleza disso, como o pensamento opera mecanicamente. O pensamento diz para si
mesmo: “sou livre para operar”. No entanto, o pensamento jamais é livre, porque
é baseado no conhecimento e o conhecimento, obviamente, é sempre limitado. O
conhecimento sempre é limitado, porque faz parte do tempo. Eu vou aprender mais
e, para aprender mais, tenho que ter tempo. Eu não sei russo, mas vou aprender.
Pode levar seis meses, um ano ou a vida toda. O conhecimento é o movimento do
tempo. Tempo, conhecimento, pensamento e ação: vivemos neste ciclo. O
pensamento é limitado; assim, toda ação que o pensamento gera deve ser
limitada, e essa limitação cria conflito, é divisória.
Se digo que sou hindu, que sou indiano,
estou limitado, e essa limitação provoca não apenas a corrupção, mas também o
conflito, porque um outro diz: “eu sou cristão” ou “eu sou budista” e, assim,
há conflito entre nós. A nossa vida, do nascimento à morte, é uma série de
lutas e conflitos dos quais estamos sempre tentando fugir, o que, ademais,
causa mais conflito. Vivemos e morremos nesse conflito perpétuo e interminável. Nunca buscamos a raiz desse conflito que é o pensamento, porque o pensamento é limitado. Por
favor, não perguntem: “Como posso deter o pensamento?”; não é essa a questão. A
questão é entender a natureza do pensamento, olhá-lo. (5)
Fonte: Krishnamurti
(1) A rede do pensamento – pág. 8
(2) A rede do pensamento – pág. 11
(3) A rede do pensamento – pág. 12
(4) A rede do pensamento – pág. 13-14
(5) A rede do pensamento – pág. 15-16