PERGUNTA: Porque meio podeis
influenciar os chefes de um partido ou os membros de um governo e trabalhar
através deles?
KRISHNAMURTI: Pela razão muito
simples de que os chefes são fatores de degeneração na sociedade, e os governos
são a expressão da violência. E como se pode, como pode qualquer homem que
realmente deseja compreender a verdade, trabalhar por meio de instrumentos que
são opostos à realidade? Ora, porque desejamos guias políticos ou religiosos?
Pela razão muito clara que desejamos ser dirigidos, desejamos que nos digam o
que devemos fazer ou o que devemos pensar. Nossa educação, nossas organizações
sociais e religiosas estão baseadas nisso: elas não nos dizem como devemos
pensar, mas o que devemos pensar. Em tais condições, naturalmente, tendes
necessidade de guias, de chefes. Porque estais confusos, porque estais a
desintegrar-vos, porque sofreis e não sabeis o que fazer, apelais para alguém,
para guias políticos, religiosos, ou econômicos, para que vos ajudem a sair
desta caótica condição de existência. Ora, pode qualquer guia, político ou
religioso tirar-vos, desta miséria, desta confusão? Prestai atenção, por favor:
temos aqui uma questão muito importante. Porque o posto de guia implica poder,
posição, prestigio; o posto de guia implica exploração — tanto pelo que é
guiado como pelo guia. Surge o guia porque os que são guiados querem
ser guiados. Quer isso dizer que o seguidor explora o guia, e o guia explora o
seguidor. Sem o seguidor, que é do guia? Vê-se frustrado, sente-se perdido. E
sem guia, que é feito do seguidor? Temos, portanto, um processo de mútua
exploração; e onde existe o desejo de poder, de posição, de domínio, de guia,
não existe compreensão. Quando o guia se torna a autoridade, a pessoa que
decide sobre todos os assuntos, políticos ou religiosos, então o seguidor se
torna mero fonógrafo, mero autômato; e visto como a maioria das pessoas prefere
repetir, prefere ficar vendo os guias agirem, o resultado é que nos tornamos
improdutivos, incapazes de pensar. Foi isso, exatamente, o que aconteceu no
mundo.
Nosso
problema, portanto, é: Porque necessitamos de guias ou chefes? Pode alguém
conduzir-vos para fora da confusão, que vós mesmo estais criando? Outros
poderão apontar-vos as causas de vossa confusão, mas ficai certos de que esses não
se tornam guias. Eu, por exemplo, vos estou mostrando a causa da confusão, mas
não estou com isso me tornando vosso guia nem vosso guru. Compete-vos
percebê-la e proceder de acordo, ou deixá-la de lado. Se, porém, eu vos
induzisse a entrar para uma organização, se me tornasse a vossa autoridade, nesse
caso eu me tornaria importante; por conseguinte, a vossa confusão continuaria a
existir, e estaríeis meramente a fugir da vossa confusão e a ligar muita
importância à minha pessoa; mas é à vossa confusão que deveis ligar
importância, e não a mim. Portanto, eu estou fora do jogo.
O
que tem importância é que compreendais o vosso próprio sofrimento, vossa
própria confusão, vossa própria dor, e vossa própria existência desastrada. E,
para compreender necessitais de alguém, seja quem for? O que precisais é
observar com precisão, com clareza, com olhos não embaciados pelo preconceito.
E isso deveis fazer por vós mesmo, deveis olhar para dentro de vós mesmo, para
descobrir se tendes preconceitos. Quer isso dizer que deveis estar cônscio de
vosso próprio processo, de vossas próprias idiossincrasias. Como em geral não
nos mostramos dispostos a descobrir a nós mesmos e a examinar o processo do
autoconhecimento, procuramos um guia — ou, antes, criamos um guia. O guia se
torna, assim, importante, porque nos ajuda a fugir de nós mesmos. O guia pode
ser adorado, guardado numa gaiola, e dele se pode murmurar. O guia, portanto, é
na verdade um fator degenerativo. Positivamente, quando o indivíduo, quando uma
sociedade, quando uma civilização apela para um guia, isso indica um estado de
desintegração. Uma sociedade criadora não tem guia, porque, nela, cada
indivíduo é uma luz para si mesmo. Uma sociedade assim é o resultado das
relações entre pessoas que estão em busca de autoconhecimento e compreensão, profundos,
fundamentais; e tais pessoas não têm necessidade de uma sociedade estática, com
os seus guias ou chefes, com suas autoritárias organizações sociais.
Krishnamurti – Da Insatisfação à
Felicidade – 29 de fevereiro de 1948