Existem os medos escondidos bem lá no fundo, medos dos quais você não tem consciência, e os evidentes medos psicológicos e físicos.
Existe o medo da insegurança, de não conseguir um emprego, de perder o emprego, das várias formas de greves que vêm ocorrendo, etc. Sendo assim, vivemos nervosos, assustados por não termos total segurança física. É claro, mas por quê? Será, talvez, devido ao nosso contínuo movimento de nos isolarmos como nação, como família, como grupo? Será esse lento processo de isolamento — os franceses isolando-se, os alemães também, e assim por diante — será ele o responsável pela gradativa criação de nossa insegurança? Será que podemos observar isso, mas não apenas do lado de fora? Observar o que ocorre do lado de fora, saber com exatidão o que acontece — é a partir daí que podemos começar a investigar o nosso interior. De outro modo, não teremos critérios; de outro modo, só faremos enganar-nos. Sendo assim, precisamos começar a partir do exterior e trabalhar rumo ao interior. É como a maré que vai e vem. Não é uma maré fixa, ela se move de um lado para o outro o tempo todo.
Esses isolamento, que tem sido a expressão tribal de cada ser humano, está produzindo a falta de segurança física. Se a pessoa enxerga a verdade disso como um fato, e não como uma explicação verbal ou aceitação intelectual de uma idéia, ela, então, não pertence a um determinado grupo, a uma determinada nação, a uma determinada cultura, a uma determinada religião organizada, porque todas essas coisas são de natureza bastante separatista — os católicos, os protestantes, os hindus, etc. Vocês farão isso, durante esta nossa conversa? Deixarão de lado o que é falso, o que não é fato e que não tem qualquer valor? Embora acreditemos que seja algo de valor, se observarem bem, perceberão que a nacionalidade produz guerras. Então, pergunto, será que conseguiremos deixar isso de lado, de modo a produzir a unidade física do homem? Essa unidade só pode surgir através da religião, mas não das falsas religiões que possuímos. Espero não ofender ninguém. As religiões católica, protestante, hindú, muçulmana, etc., são baseadas no pensamento, são organizadas pelo pensamento. E tudo o que o pensamento produziu não é sagrado, é apenas pensamento, é uma idéia. E você projeta uma idéia, expressa-a através de um símbolo e, em seguida, adora-a. Nesse símbolo, ou nessa imagem, ou nesse ritual, nada há de sagrado, em absoluto. E se apessoa observa mesmo isso, ela se vê livre disso para saber o que vem a ser a verdadeira religião, porque esta, sim, pode aproximar-nos.
Podemos, pois, examinar níveis mais profundos de medo, que são os medos psicológicos. Os medos psicológicos nos nossos relacionamentos, os medos psicológicos em relação ao futuro, os medos do passado — ou seja, os medos do tempo. Por favor, eu não sou um professor, ou um erudito fazendo sermão e retornando em seguida à sua vida miserável. Isso é algo muito, muito sério, que afeta a vida de todos nós; então, por favor, dediquem a isso toda a sua atenção e interesse. Existem medos no relacionamento, medos da incerteza, medos do passado e do futuro, medos de não saber, medos da morte, medos da solidão, da agonizante sensação de solidão: você talvez se relacione com outras pessoas, talvez tenha muitos amigos, talvez seja casado, tenha filhos, mas haverá sempre essa sensação de isolamento, de profunda solidão. Esse é um dos fatores do medo.
Existe também o medo de não ser capaz de atingir a plenitude. E o desejo de atingir a plenitude carrega consigo a sensação de frustração, e nisso existe o medo. Há o medo de não se ter absoluta clareza a respeito de tudo. Existem, pois, muitas, muitas formas de medo. Se você estiver interessado e se for honesto, poderá observar o seu próprio medo específico. Porque a mente assustada, tendo ou não conhecimento disso, pode tentar meditar, mas essa meditação conduz apenas à novas desgraças, a mais corrupção, porque a mente amedrontada jamais é capaz de ver o que é a verdade. Tentaremos descobrir se é possível ficar livre, de modo total e definitivo, do medo em toda a sua profundidade.
Vocês sabem que a tarefa que nos propusermos a empreender requer uma observação bastante cuidadosa: observar o próprio medo. E a forma como você observa o medo é da maior importância. Como observá-lo? Será ele um medo do qual você se lembrou, e que em seguida retoma e examina? Ou será um medo que você não teve medo de observar e que, portanto, continua presente? Ou estará a mente evitando encarar o medo? O que se passa na verdade? Será que temos pouca vontade de olhar, de examinar os nossos próprios medos porque a maioria de nós não sabe como solucioná-los? Ou escapamos, fugimos, analisamos, acreditando que, ao fazer isso, ficaremos livres do medo. Mas o medo continua. O importante, pois, é descobrir como olhar o medo.
Como observar o medo? Essa não é uma pergunta tola, porque ou você o observa depois dele ter ocorrido, ou o observa enquanto ocorre. Para a maioria de nós, a observação se dá depois dele ter acontecido. Bem, mas a nossa pergunta é se é possível examinar o medo logo que ele surge. Ou seja, há sobre você a ameaça de outra crença. Você mantém a sua crença com muita firmeza, e isso o amedronta. Você tem certas crenças, certas experiências, certas opiniões, julgamentos e avaliações. Quando alguém desafia essas coisas, ou surge a resistência, construindo-se um muro protetor, ou então você tem medo de vir a ser atacado. Mas será que você é capaz de observar o medo assim que ele surge? Você faz isso? Como você observa esse medo? Há o reconhecimento da reação que você chama de medo — pelo fato de você já ter tido antes esse medo, a recordação dele está armazenada e, quando o medo surge, você o reconhece, certo? Então, não se trata de observação, e sim de reconhecimento.
O reconhecer não liberta a mente do medo. Só faz fortalecer o medo. Há dois fatores em operação. Você percebe que você é diferente desse medo e, portanto, é capaz de agir sobre ele, de controlá-lo, expulsá-lo, racionalizá-lo, etc. Isso é você fazer algo a respeito do medo, mas há nisso uma divisão — o "eu"
e o medo — e, nessa divisão, há conflito. Por outro lado, se você observar, esse medo é você. Você não é diferente desse medo. Se você compreender o princípio de que o observador é o observado, de que o fato é que o observador é o medo, não existirá divisão entre o observador e o medo.
Então, que ocorre? Vamos primeiro discutir isso por um minuto. Nossa pergunta foi: estamos observando o medo através do processo da memória, que nada mais é do que reconhecer, dar nomes? Se for isso, a tradição manda fugir dele; a tradição diz: faça algo a respeito, de modo a não ficar com medo. Ou seja, a tradição nos educou de modo a dizermos que o "eu" é diferente do medo. Você é capaz de se libertar dessa tradição e observar o medo? Você é capaz de observar sem o pensamento que traz de volta a recordação da reação que foi chamada de medo tempos atrás? Isso exige grande atenção e habilidade no observar. Na observação, o que existe é a pura percepção, e não a interpretação dessa percepção pelo pensamento. O que é, então o medo? Acabo agora de observar alguém ameaçando a crença que sustento, a experiência a que me apego, as minhas afirmativas de que fui bem sucedido e, por conseguinte, surge o medo. Ao observar o medo, chegamos ao ponto em que você observa sem haver divisão.
A pergunta seguinte, então, é: o que vem a ser o medo? Medo do escuro; medo do marido, da mulher, da namorada, ou do que quer que seja; medo, artificial e verdadeiro, etc. O que é o medo, além da palavra? A palavra não é a coisa. É preciso reconhecer isso em profundidade. A palavra não é a coisa.
Assim, sem a palavra, o que é isso que chamamos medo? Ou será que a palavra cria o medo? A palavra cria o medo, sendo a palavra o reconhecimento de algo que já ocorreu antes e a que demos o nome de medo. A palavra torna-se importante. Tal como ocorre para o inglês, o francês, o russo, a palavra é de grande importância para a maioria de nós. Mas a palavra não é a coisa. Então, o que é o medo, a não ser suas diversas expressões? Qual a sua raiz? Se pudermos descobrir sua raiz, os medos, conscientes ou inconscientes serão compreendidos. No momento em que você percebe a raiz, tanto a mente consciente como a inconsciente deixam de ter importância. Há apenas a percepção. Qual a raiz do medo? Medo de ontem, de milhares de ontens, medo do amanhã, da morte. Ou o medo de algo que aconteceu no passado. Não existe medo real no agora. Por favor, compreendam bem isso. Se de repente a morte atacar, acaba tudo. É o fim. Você tem um ataque cardíaco e tudo se acaba. Mas a idéia de que um ataque cardíaco pode acontecer no futuro é medo. Será que a raiz do medo é tempo, sendo o tempo o movimento do passado, modificado no presente e indo em direção ao futuro? Será todo esse movimento a causa do medo, a sua raiz?
A nossa indagação é se o pensamento — que é tempo — é a raiz do medo. O pensamento é movimento. Qualquer movimento é tempo. Será o tempo a raiz do medo? Será o pensamento? E será que podemos compreender todo o movimento do tempo, tanto em termos psicológicos quanto físicos? O tempo psicológico é o amanhã; será também o amanhã a raiz do medo? Isso significa que estamos falando acerca da vida diária, e não apenas de teorias. Pode alguém viver sem amanhã? Faça isso. Ou seja, se você sentiu uma dor física ontem, acabe com essa dor ontem, não a carregue para hoje e nem para amanhã. Esse carregar, que é tempo, produz o medo.
A possibilidade de que o medo psicológico termine será completa se você aplicar o que está sendo dito. O cozinheiro pode fazer pratos maravilhosos; mas, se você não estiver com fome, se não os comer, eles permanecerão apenas no cardápio e não terão valor algum. Mas se você os comer, se aplicar isso, se mergulhar nisso por si mesmo, verá que o medo psicológico pode mesmo ter fim, de modo que a mente possa ficar livre desse terrível fardo que o homem vem carregando.
Krishnamurti — Brockwood Park, 1º de Setembro de 1979